a vida no fio da navalha...2020

 a vida no fio da navalha...

Nos sabemos que somos os “não essenciais”, Camões sabia-o, Picasso também, sempre assim foi.
Percebemos. Aceitamos e vamos para a janela cantar para vos animar, para vos fazer esquecer as dores e frustrações, pelo menos por uns minutos,. Fazemo-lo com a mesma entrega que teríamos em cima de um palco. Mas depois fechamos as janelas e ficamos entregues a nós próprios.
Em todas as crises assim foi e esta não é diferente.
Mas doei-nos, dói-nos muito, porque os artistas também são gente. Gente com contas, com filhos para alimentar, com casas para pagar. Mas nem isso podemos dizer, se o dizemos há um número enorme de vozes que se levantam e dizem “vão trabalhar”
Pois tenho uma notícia para vocês, nós trabalhamos muito e em circunstâncias que a maioria não o conseguiria fazer.
Percorremos quilómetro para ir fazer um espectáculo a muitas horas de casa, fazemo-lo muitas vezes com apenas o dinheiro para a gasolina no bolso, muitas vezes doentes, outras tantas deixando os filhos ou os pais acamados entregues aos que ficam e se tivermos muito azar (e há quem tenha) vamos depois de nos darem a noticia de que alguém da família morreu.
Mas vamos, não podemos não ir, não da para meter baixa, apoio a família, ou deixar para outro dia, se não formos não recebemos, simples assim.
Mesmo nesses dias negros das nossas vidas, a entrega em palco é a mesma, vocês estão lá e querem um bom espectáculo e nos fazemos das tripas coração e sorrimos, escondemos durante umas horas as nossas mágoas para fazer das vossas vidas algo um pouco melhor.
E quando termina, por mais que queiramos voltar depressa para os que deixamos, se vocês pedem “mais uma” agradecemos e ficamos mais um pouco, sempre com o mesmo sorriso. Muitas dessas vezes no final alguém nos diz, “depois mandamos o dinheiro”.
E nós voltamos, sabendo que em cima da mesa nos esperam as contas que não sabemos como pagar, sempre com o dia de amanha incerto.
É assim nas horas de dor, é assim nas festas, quantas vezes perdemos a festa de anos do filho, do pai ou do companheiro, por estarmos a animar a festa do vosso filho ou do vosso pai.
Quantas vezes deixamos de estar na festa de passagem de ano com a nossa familia e os nossos amigos,
Para estarmos a trabalhar na vossa passagem de ano com
os vossos.
Muitas. Todas aquelas em que temos trabalho!
Vamos vivendo no fio da navalha, escondendo a miséria atrás de um sorriso, de uma canção, de um poema.
E quando as crises vem, os que tiveram sorte nos meses anteriores tem uns trocos guardados que chegam para muito pouco e pela frente um mundo de incertezas.
O mundo, em todas as áreas tem meia dúzia que ganha muito bem e milhares que ganham muito mal, nas artes também.
E estes milhares em tempo de crise estão por sua conta, não há quem lhes valha.
E se isso já daria para ficarmos doloridos com o mundo, escutar-vos dizer que “isso da cultura é dinheiro mal gasto, superfulo” é como um muro no estômago, como uma sentença de morte a nossa familia.
Sabem porquê?
Porque vocês alegram a vossa vida com a nossa vida...
Ao nascermos somos embalados por canções, que artistas criaram.
Hoje em casa com os vossos filhos lêem livros que artistas escreveram.
Quando fazem o jantar e escutam aquela musica que vos da´animo, foram artistas que a compuseram.
E quando se sentam no sofá e vão ver um filme, são artistas que ali estão.
E no fim da crise quando festejarem, serão artistas que irão animar a vossa festa
Mas para que tudo isso aconteça, é preciso que eles existam, que eles trabalhem na sua arte.
Bem sei que nós agora, não importamos, mas pelo menos não finjam que não existimos e nao nos insultem, calem-se, pelo menos isso!
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