a matança do porco -2024
Participei em muitas na casa dos meus avós. Reconheço que o barulho do porco me incomodava, o que me fazia dizer "ai coitadinho, ai coitadinho" a minha avó brigava-se e dizia "não digas isso que demora mais" , sufocava então as palavras mas na cabeça continuava a dizer "ai coitadinho, ai coitadinho" Só ouvia, nunca vi, o meu pai não deixava, só depois de morto podia ver o porco. Depois participava no resto, desde o lavar das tripas, um suplicio feito numa ribeira próxima com a agua gelada de cortar as mãos, ao partir e temperar da carne com a indicação da minha avó, a especialista na coisa, nesse tempo os miúdos pegavam em facas desde muito cedo, e se se cortavam, fazia-se uma "boneca" no dedo e seguia-se viagem. Eram 2 fins de semana de encontro das familias e dos vizinhos, eram 4 dias de festa, normalmente em Janeiro, com um frio de arrepiar cabelo. No 2ª fim de semana, era tempo de encher a carne, o funil ( que guardei como lembrança) , mais estreito ou mais largo conforme o pretendido, ira a ferramenta mais importante, a carne gelada engadanhava-me as maos, mas não reclamava pois estava perto do lume de chão e lá as ia aquecendo, adorava encher linguiças, quanto maiores melhor, farinheiras não, aquilo escorregava muito, levava muito tempo, os miudos enchiam-nas mas só muito mais tarde, já grandes, tinham direito de as fechar, esse era processo de mulher adulta, era importante ficarem bem fechadas pois estariam meses ao fumeiro. A primeira vez que as fechei, foi uma alegria enorme, já estava grande, já tinha passado ao grupo das "mulheres" , a alegria foi sol de pouca dura, varias delas caíram do fumeiro, deixando-me triste, mas fazia parte, naquele tempo todos nós podíamos passar por frustrações, não morria ninguem por isso, não precisávamos de psicólogo, era seguir viagem e no ano seguinte fecha-las com mais cuidado e força, o que fiz claro, e nunca mais me caiu nenhuma.
Tinha 20 anos quando a minha avó morreu e se deixou de fazer a matança na família. Durante anos não o fiz, mais tarde voltei a ir ajudar uns amigos, já era outro tipo de participação, a matança tem uma hierarquia, a família faz e decide os trabalhos, os amigos e convidados ajudam, uma outra posição, uma outra responsabilidade, mas a mesma festa.
Depois vieram as ordens de Bruxelas e a mantença, nos núcleos onde me movimento terminaram, ficando só as memorias, em especial as memorias gustativas do sabor das linguiças da minha avó, as melhores do mundo, nunca mais comi umas tão boas e tão saborosas. Gostava de saber o tempero, mas nada era escrito, tudo passava oralmente de geração em geração e eu fui tonta e não aprendi.
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