quando encontrares o avó Lita, não brigues com ele".-2024
Ontem fez um ano que baixastes os braços e deixaste de lutar Mae, tu que foste uma força da natureza , um exemplo de resistência e independência feminina, há um ano decidiste que já chegava e partiste. Já tinhas desistido da vida, fizeste-o quando o pai morreu, quando ficaste sem o teu companheiro de vida, a tua garra esmoreceu. Engraçado, tantas vezes respondeste ao pai, quando ele dizia que sem ti não conseguiria viver, "lá estás tu com o drama, ninguem nasce junto, por isso quando um morre o outro continua a vida", afinal estavas errada, ou então dizias isso só para não assumires que tinhas medo de viver sem ele, fazeres-te de forte foi também uma das tuas marcas. Escondias bem os sentimentos, às vezes até parecia que não tinhas. Talvez tivesses sido mais feliz sem essa mascara, ou tiveste que a colocar para sobreviver, num mundo que conquistas-te a pulso, na base da força e da coragem, sei lá eu, a minha vida foi tão mais facilitada porque vocês lutaram antes. Mas sei que tinhas razão, quando dizias "ainda bem que brigamos, é sinal que estamos vivos". Tinhas mesmo razão, nunca mais brigamos, porque tu não estás viva. Mas como viste nestes 2 últimos anos, poderíamos ter brigado menos se durante a nossa vida em comum, não tivesses sido tão exigente, contigo, comigo e com a vida. Sabes, se não tivesses decidido vir viver comigo nestes 2 últimos anos, não teríamos rido tanto juntas, não teríamos jogado às cartas, ao bingo e aos outros jogos que te ensinamos, mas que apesar de não saberes ganhavas sempre, e o que te rias por nos ganhares. Eu não teria aprendido a fazer os doces conventuais, só tiveste tempo de me ensinar já mesmo no fim. Foi estranho ter uma mãe diferente da que tive toda a vida, entraste e transformaste-te daquele tipo de mãe que faz o jantar, estende a roupa, passa a ferro, espera para jantar com a mesa posta. Nunca tínhamos tido essa relação, dizias "eu faço na minha casa, tu na tua, quando aqui venho sou visita" nestes últimos tempos, não foste visita, foi estranho, diferente, mas foi bom. Fiquei com boas memorias. Mas sabes o que gosto mais de me lembrar? De te ver com os teus bisnetos. A mulher que nunca teve tempo para ser mãe, nem para ser avó, tinha tempo para ser bisavó. Teve tempo para dar a comida à boca, brincar, conversar, contar historias para dormirem, escutar o que o Miguel te contava e embalar a Nonô. Tenho na memoria da minha retina, o olhar de amor com que os olhavas, o mesmo amor com que eles te olhavam. Riam os teus olhos para eles, como nunca vi rirem para ninguem. Foi bonito de ver, foi bom que pudesses ter tido esse tempo, que pudesses ter sido bisavó. mostraste uma mulher diferente da que conheci. Estavas apaziguada com a vida através deles. Passamos dias difíceis ao lado uma da outra, nunca tal tinha acontecido. Tu fizeste sempre de conta que não precisavas de ninguem, eu fiz sempre de conta que não precisava de ti. Cada uma protegeu-se como pode. Mas no fim, tu sabias que contavas comigo e eu estava lá para pegar na tua mão. Depois, resolveste que estava na hora, já não eras tu, estavas presa numa cadeira, não eras livre como sempre amaste ser, não te contrariei, era desumano obrigar-te a ficar. reter-te artificialmente não era amor, era egoísmo, e vocês ensinaram-me a não ser egoísta. Lutaste enquanto quiseste, desististe quando quiseste, tal como fizeste sempre, foste tu a decidir a tua vida. Este foi um ano duro, a juntar aos 2 anteriores. Não é fácil deixar de ser filha. Não é fácil ser órfã. Não é fácil mãe, mas ficaram as memorias, os ensinamentos, os exemplos.
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