faz 2 anos que a minha mae partiu-2025
Faz hoje 2 anos que a minha mãe partiu. Não o fez de forma tranquila, mas fê-lo como quis.
Nada de novo, foi assim toda a vida, ela fazia o que queria e nunca de forma tranquila. A mãe que tenho recordado nestes 2 últimos anos, foi a mãe que decidiu vir viver para a minha casa quando o meu pai morreu, uma mãe que me era desconhecida, uma mãe a que nestes 2 anos de convivência perguntei muitas vezes "quem és tu e o que fizeste à minha mãe?" As mães, talvez vocês saibam, mas não queiram aceitar, não são todas iguais e a mim calhou-me uma mãe, com poucas características de mãe e muitas de mulher! E que mulher foi a minha mãe! Tenho e sempre tive, tal como o meu pai tinha, um orgulho enorme na mulher que foi a Antônia Nobre. Nasceu decididamente antes do tempo. Era uma mulher independente, forte, batalhadora, com sonhos e metas que não estavam destinadas às mulheres da sua geração, cumpriu todas e algumas que nunca sonhou. Foi um exemplo nas lutas sociais, de direitos, na ajuda ao próximo, no melhorar a sociedade para todos. Era uma mulher com inúmeros talentos. Ainda agora em Veneza, vi uma publicidade da SPAR com o logotipo que ela e o Paulino criaram para a marca, tenho cá em casa o original. Foi emocionante ver uma criação da minha mãe numa cidade que ela nunca visitou, embora eu já o tivesse visto noutros países. Nunca conheci ninguem como ela, era preciso fazer uma coisa, não sabia, ia aprender, aprendia e fazia na perfeição tudo o que se propunha! Era ao mesmo tempo uma líder. Passou anos a mandar em gente que ficou sua amiga. Foi dirigente de uma fabrica e representante sindical ao mesmo tempo, e desempenhava as duas funções de forma perfeita! Nao havia travão para a minha mae, era para fazer fazia-se e bem! Era uma perfeccionista e tinha uma capacidade de trabalho absurda, a mulher era capaz de trabalhar no duro 16h de seguida durante semanas. Nunca percebi como aguentava aquele corpo. Para a Antônia não havia obstáculos, a vida dava-lhe limões ela fazia limonada, a vida passava-lhe uma rasteira, ela saltava por cima! Só havia uma coisa em que ela não era a perfeição, ela sabia-o e aquilo desesperava-a, a Antônia Nobre, mulher de garra, capaz de tudo, não era a mãe perfeita. Não tinha nem tempo, nem temperamento. Essa coisa dos beijinhos, de colocar na cama, de contar historias, de curar as feridas, de fazer o prato preferido, eram coisas para as quais não tinha grande aptidão. Escudava-se num lema, que inventou para se proteger, "tens que ser forte, tens que te valer sozinha, é isso que quero que aprendas" Mas não era isso, embora tenha conseguido, e sou-lhe muito agradecida, a senhora não tinha queda para a maternidade, tinha mais que fazer, o mundo tinha coisas mais importantes, do que aconchegar cobertores à noite a uma criança, que puxasse o cobertor e dormisse
. também não era mãe de confidencias, não tinha tempo para problemas menores, haviam batalhas lá fora tão sérias, tinha lá tempo para escutar uma miúda falar das suas tricas com as amigas, ou das suas paixões mal resolvidas. Mas se o caso fosse saúde, ai o mundo parava até ela resolver, e corria seca e meca até o conseguir, depois era a vida que seguia.

À Antônia Nobre, também não lhe calhou a filha mais fácil do mundo, quem sai aos seus...ela havia sonhado com a filha perfeita, calma, obediente, cordata, que se apresenta-se sempre bem, que se comporta-se como uma mulherzinha, e sai-lhe eu na rifa. Nunca aceitou que eu não buscasse a perfeição, nunca, aquilo estragou-lhe a fotografia de família, e durante anos remoeu essa falha que considerava sua. Eu, nunca lhe liguei, o que ainda a punha mais furiosa. Os embates entre mim e a minha mãe, faziam parte do dia a dia, e nós víamo-nos quase todos os dias, e se não nos víamos ela telefonava, às vezes só para brigar por qualquer coisa, e para isso tinha uma frase de que sinto saudades " é bom brigarmos é porque estamos as duas vivas". Tinha razão, já não brigamos. Mas como lhes disse lá atras, a mãe que nestes 2 anos tenho recordado não é esta, é a que veio viver comigo. Uma mãe calma, paciente, que me pedia as coisas sem dar ordens, que me perguntava opinião sobre as coisas, que me pedia desculpa, que se sentava ao meu lado e puxava conversas, que queria saber da minha vida, que me elogiava, que chorava na minha frente, que contava piadas, que quis pela 1º vez jogar às cartas comigo e ganhou, raios, e que me disse "Amo-te filha" já eu era avó, essa mãe que eu desconhecia, foi aquela com que convivi nos seus 2 últimos anos de vida. Uma metamorfose difícil de explicar, mas que prova que nós somos coisas muito dispares ao longo da vida. Faz hoje 2 anos que a minha mãe partiu, foi ela que disse ao medico que não queria continuar a sofrer, foi ela que decidiu partir, porque achava que já não tinha condições físicas para ser ela, e não tinha, foi ela que decidiu deixar-me novas e boas memorias, e nisso do decidir a sua vida, manteve-se igual a ela própria até ao fim. A minha mãe partiu há 2 anos, não foi perfeita, mas deixou-me um legado enquanto mulher enorme, a liberdade para ser o que quiser e decidir a minha vida! Poderia ter tido outra? podia, mas não era a mesma coisa e eu gosto de ser como sou.
Beijos Tonhica, onde quer que estejas.
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