desempregados-2019

 Li nas noticias que varias fabricas fecharam as portas nesta sexta feira deixando centenas de famílias sem emprego, Não entendo como podem fechar as portas em alturas dessas, podiam deixar para Janeiro e deixar as pessoas terem uma festa sem sobressaltos...acho eu!. As linhas lidas, fizeram-me recuar ao Natal de 1983, foi nesta altura que os meus pais viram fechar o Fomento Eborense. Perto do Natal, com um 1 ano de salários em atraso e mais de 40 anos de trabalho no mesmo lugar, com as mesmas pessoas, para o mesmo patrão.

Assim nos vimos ali, naquela casa 2 desempregados com mais de 50 anos e uma miúda de 17. A vida mudada de repente. Do muito para o nada, apenas com a certeza de que nesse Natal não havia dinheiro para as prendas e para a festa. Não que fossemos dados a grande celebração mas sempre se fazia o jantar para toda a família da minha mãe, se compravam os presentes para os muitos sobrinhos que eles tem e claro se enchia de prendas a filha, numa espécie de apaziguar as consciências por se estar sempre a trabalhar e se ter pouco tempo para ela. Reconheço que cedo deixei de ligar à quantidade de coisas que a minha mãe comprava, aquilo sempre me pareceu um disparate e no dia seguinte partia a distribuir com os amigos o que não me fazia falta ou que não gostava. Engraçado como a minha mãe conseguia comprar tralha que não me agradava. Voltando aquele Natal, apesar de não lhe ligar reconheço que nesse ano lhe prestei atenção, a tristeza dos meus pais, o seu desespero por não saberem o que fazer, o choro da minha mãe, que nunca tinha visto, fizeram com que eu tivesse decidido fazer acontecer a festas...a ceia, os doces, a decoração da casa, as prendas, cachecois, canecas pintadas, lenços bordados, colares, brincos, tudo o que pudesse fazer com o que havia lá por casa, dias e noites a trabalhar sem descanso para conseguir ter prendas para toda a gente, para que ninguém ficassem sem a prenda habitual, para tentar enganar o tempo e mudar a sorte. Consegui cumprir todas as tarefas. Consegui ver ali que se quisesse era capaz de fazer muitas coisas,que era muito mais capaz do que achava até então e isso deixou-me feliz! Mas havia de descobrir outras coisas menos bonitas nesse Natal, Não sendo ricos, naquela época os meus pais eram na família os que viviam melhor, que davam as melhores prendas, que levavam as melhores e mais caras iguarias, eram assim sempre muito requisitados para as festas. Nesse Natal não foram. Nesse Natal nao houve briga para conseguir que eles fossem para esta ou aquela casa, cada um fez de conta que não era Natal. e chegando quase à véspera era para mim certo que iríamos passar pela primeira vez o Natal os 3, na nossa casa. Não se falava sobre isso, cada um de nós tentava à sua maneira aceitar, compreender mas em silencio Eu reconheço que aquilo me afectava mais por eles, que sempre foram ligados a essa coisa da família do que por mim, que nunca fui. Mas ver a sua tristeza cortava-me o coração. Eles sempre foram bons e solidários com toda a gente, costumava até brigar com eles por isso, achava ( hoje já não acho) que algumas coisas beiravam a parvoíce,mas eles eram assim e felizmente ainda são, aquilo não os endureceu. Por mais que eu não quisesse a véspera de Natal chegou e com ela a certeza de que ninguém contava connosco para o Natal, de que as prendas que chegavam sempre nesse dia lá a casa não viriam e que este seria um Natal completamente fora do normal....As prendas que eu tinha feito para todos à volta da árvore eram a confirmação de que ninguém lá tinha ido, que ninguém se tinha designado a ir ver como seria aquela noite. Ali, aos 17 anos de idade tive a confirmação de que para a maior parte das pessoas nós valemos o que temos e podemos dar. Posso dizer-vos sem erro que me senti aliviada, essa coisa da família, que os meus pais sempre me quiseram incutir cansava-me e ali senti-me livre para seguir como quisesse-se. Mas a noite ainda me iria libertar mais, ainda me iria mostrar que apesar de muito nova, o meu sentir era o certo. Às 20 já prontos para iniciar um jantar a 3 ali mesmo na cozinha, a fazer de conta que nada estava diferente, tocam à porta e por ela entram 8 pessoas, munidas de prendas, comida e muita algazarra. 2 casais amigos dos meus pais desde sempre com os respectivos filhos. Há que mudar para a sala, colocar a loiça mais fina e os copos de cristal e começa a festa porque é Natal. Ah os amigos, aqueles que escolhemos, que nos escolhem, que nos acompanham nas horas boas e nos amparam nas horas más, sao o maior presente que a vida nos dá. A partir do Natal de 1983 nunca mais nenhum de nós ficou igual. Nunca mais nenhum de nós teve duvidas de que o Natal é feito com os que escolhemos. E ao longo dos anos o nosso Natal já foi com gente muito diferente, com muitos amigos, uns porque estão sós, outros porque não iam ter natal e outros porque querem estar connosco. Seja como for, eu que nunca gostei do Natal, continuo a estar presente porque os outros gostam e eu gosto de os ver felizes.
Se por acaso estiverem a ler isto e alguém que conheçam tiver ficado desempregado nesta altura, peguem no prato e vão passar o Natal com eles, não é a data que importa, são os sentimentos das pessoas e elas estarão debilitadas e a precisar de amigos, tenham a certeza!
Boas Festas para todos! Sejam felizes.
Ah, só para saberem distribui as prendas que tinha feito na Cruz da Picada numa associação que hoje já não existe...

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