celeste carvoeira - 2020
Em meados do seculo 20 (1970) , quando eu era miúda, a zona da Rua de Avis era dividida por estratos sociais, desta forma os largos eram ocupados por bandos de miúdos que se misturavam pouco. O Jardim da Rua de Avis, era onde brincavam os meninos das batas, na maioria acompanhados por babás, oriundos de classes mais favorecidas, mas sem serem ricas. O Largo de S. Mamede, era para os miúdos vindos das classes operarias, o largo dos Estaços reunia os miúdos das famílias que trabalhavam nos serviços e pequenos comerciantes e o Chão das Covas, onde brincavam os putos das ruas, filhos de famílias que tinham profissões pouco remuneradas ou mal faladas. Quando mudei para o Largo dos Estaços, vinha do Pátio do Agunelo, ali para a zona do caminho de ferro onde não tínhamos nada disto, todos brincavam com todos e os pais davam-se uns com os outros independentemente do que faziam ou tinham, entreajudando-se e vivendo quase de forma comunitária. Foi por isso um choque quer para mim, quer para os meus pais. Eles la´ se habituaram, eu nunca, deambulava de largo em largo, onde havia gente para brincar era onde eu estava, deixando a minha mãe doida por não saber de mim às vezes, o que dava direito a umas palmadas para ver se aprendia, o que nunca aconteceu. Como nos mudamos em Junho, os meus pais estiveram ali uns meses quase sem dar nas vistas para perceberem como funcionava a coisa, integrando-se de pleno direito no 1º natal. Muito antes deles chegarem, a Celeste carvoeira tinha criado um habito ao qual outras senhoras se foram associando e a que a minha mãe se juntou nesse natal, tinha como propósito dar às famílias mais necessitadas bens para a consoada. Como não eram frequentadoras da igreja e nem queriam ir levar os bens a´ rua do Terrique, Manuel de Olival ou Mostradeira, enchiam sacas que a Celeste guardava na carvoaria de bens com o que cada uma tinha no seu estabelecimento, a Celeste dava carvão, o Galhardo dava hortaliças, a menina Chica açúcar e azeite, a menina amelia pães e bolos secos, o Zé caras de bacalhau (eram mais baratas na época) a D. Arlete frutas, o Merca uns enchidos e a minha mãe começou a entrar com os chocolates, pastilhas e rebuçados. Juntavam a isto roupa dada pela Luzia costureira e sapatos dados pelo Joaquim Maria, tudo o que durante o ano os seus clientes não tinham ido buscar e que eles tinham arranjado. Essas sacas eram depois preparadas no armazém do Sofio no Largo dos Estaços e cabia aos maridos irem deixa-las no dia 24 a´ tarde, uma em cada arvore do Largo Chão das Covas, onde os putos o iam buscar, carregando-os em bando para as suas ruas e por la´ eram divididos, umas vezes pacificamente outras com brigas entre as mães. Foi por causa destas sacas que eu, miúda do largo dos estaços, fui aceite sem nunca levar porrada no bando dos miúdos do chão das covas, eu era filha da senhora das pastilhas, o petisco mais cobiçado pelos putos nos sacos de natal e aquela que ao logo do ano conseguia algumas para lhes levar.
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