a maria adelaide - 2021
A Maria Adelaide era amiga da minha mãe, uma mulher baixinha, gordinha, com um óculos de fundo de garrafa que volta que não volta tinha um braço partido, um dente a menos, uma perna enfaixada, um olho tapado. Dizia eu muitas vezes na minha ingenuidade de miúda " a Delaide é mais desastrada que eu anda sempre a cair e a partir-se" a minha mãe encolhia os ombros e não me dava conversa. Só anos mais tarde percebi que o grande desastre da Adelaide foi a escolha que fez no marido. Morava ali fora de portas no fim da Rua do Raimundo, naquela correnteza de casas onde esta o Arco do Triunfo. A Maria Adelaide trabalhava no Fomento com a minha mãe e o marido trabalhava na Oficina Serafim Henriques com o meu pai. Um dia na casa da Adelaide aquilo correu muito mal mesmo e ela foi parar ao hospital, foi operada de urgência e tiraram-lhe o baço que o marido tinha perfurado aos pontapés. Lembro-me bem de ir ao hospital visita-la todos os fins de semana pela mão da minha mãe, lembro-me da minha mãe correr o marido dela de lá enraivecida, apesar de na época não perceber porquê e lembro-me de os meus pais a terem ido buscar de carro e levado a casa, pois era para lá que ela quis voltar. Não percebi o porquê da irritação dos meus pais com essa sua decisão, mas percebi que era para o bem dela. Também me lembro como se fosse hoje, que ficamos as 3 dentro do carro por ordem do meu pai, só ele entrou na casa e por lá esteve a falar com o Manuel das Neves. Depois veio buscar a Adelaide e ela lá ficou. Uns meses depois vi o Manuel das Neves de moletas, tinha partido as pernas, não sei exatamente as palavras mas disse aos meus pais que aqueles seus amigos eram um perigo, andavam sempre com a cabeça no ar a cair e a magoar-se, aquilo que eles me diziam a mim, claro está. Só anos mais tarde soube que depois de vir do hospital e de se recuperar, a Maria Adelaide quando o marido tentou bater-lhe de novo, pegou numa moca de pau, que o meu pai lhe tinha dado e espetou-a contra as pernas do Manuel partindo-lhas. E fez aquilo com garra, pois o bom do Manuel nunca mais deixou as moletas, também nunca mais lhe bateu. O que me ficou desse episodio foram 2 frases uma dela " eu fiquei sem baço, mas ele ficou com 2 pernas de pau" Viveram juntos ate ao fim da vida, ele morreu uns anos antes dela, mas nunca mais se atreveu a bater-lhe. E outra do meu pai, por piada, quando a conversa era violência domestica " lá tenho que lhe dar uma moca" .
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