partilho este post fabuloso da minha prima Carmen Almeida, não só porque o registo, sobre o que pensava Nicolau Clenardo da cidade e dos seus habitantes, é riquíssimo e interessante, como ela nos relembra, e bem, uma das melhores, mais impressionantes e cuidadas criações culturais de que tenho memória. Quem viveu, como eu "os Povos e as Artes" sempre terá na memória uma cidade inteira a viver um certame, este foi o Serão Quinhentista, mas existiram outros do género, todos eles criados por estruturas criativas da cidade , com a participação de muitos cidadãos, das escolas, dos idosos, de gente de todas as idades, de gente vinda de outras cidades, envolvendo todo o centro histórico. Talvez por ter vivenciado esses acontecimentos culturais, num tempo em que elas não eram moda, nem estavam na ordem do dia, e nos quais éramos os primeiros, hoje quando me tentam vender estas "ideias" como vanguardistas eu não assine em baixo. E também por isso afirmo muitas vezes, Évora já foi pioneira em muitas coisas nesta área como em muitas outras, não conseguimos é manter por muitos anos os acontecimentos e por isso eles caem no esquecimento, lamentavelmente. Mas há algo que vos posso afirmar, eu fui uma privilegiada, fui uma adolescente atenta e participativa, nesta cidade no final da década de 70 e até perto do fim da década de 80, e aqui tudo acontecia.
carmem almeida texto........
E agora que as questões do racismo se tornaram virais, lembrei-me de Nicolau Clenardo, humanista e pedagogo do séc. XVI, tutor do Infante D. Henrique, irmão de
D. João III. No desempenho destas funções encontrava-se em Évora em 1533, convivendo com um conjunto de célebres humanistas. Através das suas cartas ao seu amigo Jean Petit, sabe-se que o seu apreço por Évora não era grande. Numa dessas cartas, Clenardo escreve (adaptação livre):
“Creio que já tereis ouvido contar como deixei Salamanca para vir para Portugal, a convite do Rei.
Mal pus pé em Évora, julguei-me transportado a uma cidade do inferno: por toda a parte topava com negros, raça por que eu tenho tal aversão que só elas por si bastariam para me fazer abalar daqui.
Todavia, até agora ainda não tive que me haver com a tal raça de escravos. Tenho apenas um criado que trouxe de Salamanca, mas se quisesse condescender com os costumes desta terra, começaria por sustentar uma mula e quatro lacaios. Como tal seria possível?
Fazendo como todos os cortesãos desta terra: jejuando em casa, enquanto brilhava fora como um triunfador…”
Negrinhos por toda a parte meus amigos. Algum ADN cá há-de ter ficado, pelo que…
A foto (Carlos Tojo) alude a tal realidade e foi uma das cenas do Serão Quinhentista que comissariei em 1989, no âmbito de Os Povos e as Artes.
Ah, já agora, a encenação foi de Mário Barradas e contou com a colaboração de actores do Teatro Nacional D. Maria (Rui de Carvalho, Mário Pereira, entre outros), do Cendrev e do Teatro da Rainha, para além dos grupos de teatro amador da Dramática Eborense, S.O.I.R Joaquim António de Aguiar e mais de uma centena de jovens figurantes.
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