saude mental
Ontem assinalou-se o Dia da Saúde Mental. Um problema grave, quase silencioso que pode entrar nas nossas vidas de um dia para o outro. Na minha entrou logo que nasci. No dia em que a minha mãe me levou para casa, passei a conviver com a minha avó Josefa, que há muito já não vivia no mesmo mundo que nós.
A mãe do meu pai, esteve presa no seu mundo mais de 20 anos, 8 anos da minha vida.
Crescer com uma avó louca, não é fácil para uma criança, difícil de entender que um adulto, a que temos que respeitar faça disparates piores que nós. Difícil de lidar com as crises de raiva, difícil de entender que não saiba coisas básicas como ir à casa de banho, ou comer com faca e garfo. Mas o mais dificil para mim, era o som que fazia todo o santo dia, aquele "bla,bla,bla" que nunca parava ainda hoje o escuto. E por mais que tentasse alhear-me dele era impossível. A minha avó Zefa, era uma criança que me roubava os brinquedos, que me destruía as brincadeiras, que atirava coisas ao chão, e que repetia o seu bla,bla, bla mais baixo ou aos gritos, consoante a sua irritação. Mas era alguém a quem eu não podia contrariar ou responder mal, pois era minha avó e o meu pai não autorizava que se faltasse ao respeito á mãe.
Esta minha relação com a falta de saúde mental, não se ficaria por ai, teria por volta de uns 5 anos, quando a minha madrinha Jacinta, o ser mais doce, meigo e sorridente que conheci, teve um surto e foi internada no Júlio de Matos. Aquilo sim, transtornou-me. a minha avó era assim, sempre tinha sido, não estranhei. Mas a minha madrinha? Como podia ser? Alguém como a minha mãe, com emprego, filhos, casa, vida dita "normal" como era possível que tivesse enlouquecido de um dia para o outro, do nada? assustou-me este contacto com a loucura repentina. foi complicado para alguém tão novo, perceber que aquilo podia acontecer a qualquer pessoa, pensei muitas vezes, será que também me acontece a mim? Havia nos dois casos, causas para a loucura, na da minha avó a diabetes, que há época poderia ter essa sequela, diziam. No da minha madrinha, a violência domestica de que foi vitima durante anos a fio, um dia, passou-se, teve um surto e tentou matar o marido. Durante alguns anos, todos os homens, excepto o meu pai, eram o marido, logo um alvo da sua tentativa de assassinato. Foi no Júlio de Matos, através de muitas terapias artísticas que se equilibrou de novo, podendo sair e restabelecer a sua vida, voltando a ser o ser doce, meigo, carinhoso e sorridente que eu tinha na minha memoria.
Estas duas mulheres, a sua vivencia em mundos paralelos, marcaram-me e ensinaram-me que todos nós estamos a um passo da loucura, que basta um clique e entramos num outro mundo, que nos fechamos em nós próprios sem deixar ninguem chegar perto. Ensinaram-me a respeitar essa doença silenciosa, que maltrata especialmente o próprio e que poucos entendem, ou ajudam a curar.
Ha uns anos, participei no programa nacional da saúde mental, convivi com grupos de pacientes, que através da dança, do teatro, das artes plásticas, tentavam sair de dentro de si, tentavam interagir com o resto do mundo.
Foram meses de projectos e apresentações, mas tudo sempre feito no fio da navalha, qualquer deslise, qualquer erro, poderia faze-los ter surtos. foram meses de tensão. aprendi muito sobre Saúde Mental e sobre gente que vive em sofrimento, mas foi muito desgastante.
Há uns meses atras, por aqui alguém teve uma ideia de criar um programa artístico conjunto com vista os doente da area da saúde mental. Na reunião conjunta, disse que não estava interessada em participar. A sua criadora ficou muito ofendida, acusou-me de ser insensível, que estava a virar as costas a doentes, que era arrogância da minha parte achar que isso acontecia aos outros, um dia podia ser eu. Sorri, ela sentiu-se porque esteve lá perto, como me conhece pouco, e do alto da sua arrogância, achou que sabia quem eu era e o porque de estar a dizer que não. Não lhe expliquei o que agora escrevo, que sei desde que me conheço por gente que a saúde mental é um problema grave, não lhe expliquei que sei desde muito cedo que pode acontecer-me a qualquer altura, não lhes expliquei, porque a forma como não aceitou o meu não, foi indelicada e eu não gosto de ser indelicada, o que teria acontecido se lhe tivesse respondido, com gente que já está debilitada.
Repeti-lhe só que não estava interessada, que tinha 30 anos de carreira já e que podia escolher o que fazer. Estava a escolher não participar.
Sei que odiou a minha posição, sei que acha que recusar participar no projecto que criou com tanto afinco lhe pareceu mal, sei que acha horrível eu não querer estar num projecto tão importante, paciência,
O que me ficou por dizer, é que o assunto para mim é tão sério, tão importante, tão relevante, que acho que não o posso fazer, pois não tenho ferramentas, conhecimentos e nem saúde mental para o fazer. e foi por isso que não me envolvi, porque acho a Saúde Mental, tão grave, tão sofrido que tem que ser trabalhada, mesmo que seja nas áreas culturais, por gente que saiba muito disso, caso contrario fazemos mais mal que bem! E pela minha avó, pela minha madrinha Jacinta, e por todos aqueles com que trabalhei no inicio do ano 2000, não posso entrar numa dessas de animo leve, só para ficar bem na fotografia. Até porque um dia posso ser eu, e quero que quem se cruze comigo saiba o que esta a fazer.
A todos os que estão ai e sofrem hoje, o meu abraço solidário, a minha amizade e o desejo de que sejam capazes de sair desse sofrimento em que vivem.
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