Os Raimundos deste mundo

 ha uns dias que ando a pensar no Raimundo. O Raimundo foi meu colega no liceu, era um puto estranho, que nunca percebia nada, que fazia muita merda mas achava sempre que estava certo, parecia que vivia num mundo só dele. Na maior parte do tempo aquilo dizia-me pouco, o gajo era assim, que fosse nem era meu amigo para quê moer-me. Mas depois havia as aulas praticas de Quimiotecnia. Ali tínhamos que ter muito cuidado com as substancias que juntávamos, com as temperaturas, com a exposição dos químicos ao ar, sendo eu uma "parva " desde muito cedo, como ninguém queria ficar com ele eu ficava e arrastava comigo o Zé Pedro Torres, um amigo que já partiu. Aquelas aulas eram um desassossego e um desafio à integridade fisica. O Raimundo a querer juntar o que se tinha que distanciar, eu a brigar com ele sobre as ligações e a explicar-lhe os riscos das experiencias, ele cheio de certezas das suas opções, lá no mundo dele deveriam dar certo, e o Zé Pedro a rir o tempo inteiro. Cada aula era um tormento para conseguir que o Raimundo não explodisse o laboratório. O Zé que adorava ver o circo pegar fogo e vivia com paixão o risco, o que o levou a uma morte prematura, dizia-me muitas vezes " Tu deixa o gajo fazer o que acha, nós escondemos debaixo da bancada e pode ser que ele perceba que só na cabeça dele isso funciona" Era o que faltava o gajo aleijar-se só para provar que ele vivia num mundo paralelo. Um belo dia, sei lá porquê distraí-me com a minha parte da experiencia e só escutei o grito do Zé "baixa-te" ao mesmo tempo que me derrubava p para baixo da bancada, os estilhaços eram mais que as mães, o fumo imenso e o Raimundo aos gritos! Claro que fomos logo retirados do laboratório, claro que fomos logo para o hospital e sem ser o Raimundo que estava todo cortado nada de grave tinha acontecido. Briguei com o Zé, aquilo não se fazia, deixar que o outro se aleijasse só para ele ver que não tinha razão era muito mau. Mas depois falei com o Raimundo e ele continuava cheio de certezas, a achar que tinha capacidades superiores, que a culpa era de tudo desde a bureta ao bico de busen, jamais dele, que havia misturado o que jamais deveria misturar-se. Fiz as pazes com o Zé Pedro e deixei de ser do grupo do Raimundo, se ele queria continuar a viver no seu mundo, se queria só ver o que ele próprio achava que era, se queria pensar que estava sempre certo, boa sorte para ele, eu tinha muito para viver e o risco não era a minha profissão. Uns anos depois soube que o Raimundo foi internado diagnosticado com uma doença complexa, o que fez todo o sentido, o problema é que me tenho cruzado com outros como o Raimundo, que não veem nada alem do que acham e que vivem nos seus mundinhos, e nem o alibi de serem doentes tem, ou então tem só ainda não sabem!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

alceu valença - 2025

Nao sei o que é desigualdade na 1ª pessoa...nunca soube! -2017

mas que fresca mondadeira -2023