a pobreza 1

 Já vos disse varias vezes que o meu pai nasceu muito pobre. O futuro, provavelmente, que o esperava e a mim, seria a pobreza. Porque a pobreza é um ciclo, na maior parte das vezes ela fica por gerações e gerações. Esse menino que nasceu pobre, nasceu também com uma inteligência acima da media, muito menino, com o pouco que encontrava criava mecanismos, inventava ferramentas que o ajudavam e aos seus a simplificar as tarefas difíceis e pesadas. Passava horas a pensar como transformar uma alfaia usada pelos seus, numa coisa mais simples, com cordéis, pedras e coisas que ia achando fazia a transformação ou criava algo novo. Foi isso que o tirou do trabalho do campo, o trabalho que lhe estava destinado por nascimento, e o levou às oficinas. Nessas, foi também a sua inteligência prodigiosa que o fez ultrapassar as dificuldades nas criações e invenções, sem apoio técnico aprendido por outros nos bancos da escola que não pode frequentar, e o levou mais longe. Muitas vezes, nesse seu percurso se sentiu ferido por não ter os conhecimentos técnicos para criar um mecanismo, chorava de raiva por ser tão difícil chegar onde queria. Sabia que se tivesse tido a hipótese de estudar como muitos outros dos seus colegas, tudo seria mais simples, conseguiria ir muito mais longe em muito menos tempo, com muito menos trabalho. Mas a pobreza do Portugal da década de 30, 40 e 50, tinham-lhe cortado as asas. se tivesse nascido num outro pais, numa outra classe social, teria sido engenheiro, nunca teve dúvidas e eu sei que teria sido muito bom. Mas não foi, o Pais não o deixou sonhar. Foi o 25 de abril, que lhe deu as oportunidades de aprofundar conhecimentos, foi o 25 de abril que lhe deu hipóteses de sair da base da pirâmide social, foi o 25 de abril que lhe permitiu dar-me uma vida boa, foi o 25 de abril que lhe permitiu ter uma neta médica sem ter tido problemas de maior. Sabia ele, sei eu que se o Pais não tivesse mudado a pobreza continuaria a viver ombro a ombro conosco, talvez um pouco mais leve do que foi para ele, mas sem podermos sonhar sermos mais do que o que nos estava destinado.

Sabia ele, sei eu também, que no mundo isso ainda é a vida de muitos milhões de pessoas.
Sabia ele, sei eu também, que Portugal está a retroceder e esta de volta o seu tempo de criança sem sonhos, com inteligência acima da media que não conseguirá ser quem sonha ser.
Sei eu que ele choraria, como eu chorei, a ver esta reportagem, sei que tal como eu ficaria contente por este miúdo, sei que tal como eu ficaria a fazer figas para que tudo lhe corra bem, como eu estou agora a fazer.
Este miúdo, que não conheço é o tipo de herói que admiro, é o tipo de miúdo que me faz confirmar as minhas convicções de luta por um mundo mais justo, onde este miúdo e os miúdos como o meu pai possam sonhar sem ter que fazer tantos sacrifícios, enquanto uma data de marmanjos pagam somas pornográficas para ir ao espaço ou ao fundo do mar estourar o dinheiro que muitos lhes deram a ganhar com o suor do seu trabalho e os sonhos não concretizados dos seus filhos!

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