No final da década de 50, Évora assistiu a grandes greves levadas a cabo pelos homens do campo. Estes foram acompanhados com greves nas oficinas e pelas mulheres e homens que trabalhavam nas poucas fabricas que existiam, nos campos não se cumpriram as tarefas da época, nas oficinas não se arranjaram as alfaias agrícolas dos lavradores e nas fabricas os doces e produtos industriais não saiam das fabricas. O meu pai trabalhava na época na Oficina da Viúva Serafim Henriques, ali perto da Praça 1º de Maio. O patrão, um homem que apoiava o PCP, embora não pudesse saber-se, era solidário com a greve e continuou a pagar aos homens que fizeram greve, às escondidas. A minha mãe, funcionaria do Fomento Eborense, tinha como patrão Alves Martins, um patrão do regime que claro está não pagava a quem fazia greve. Naquele tempo, com ordenados de miséria, fazer greve e não levar o salario para casa era acentuar a miséria um pouco mais.
A greve começou nos campos e reivindicava melhores salários. Mas a historia tinha começado uns meses antes quando um grupo dos maiores Agrários da região tinham ido falar com Salazar e pedido para que este não autorizasse a instalação de varias fabricas que queriam vir para a zona de Évora. Segundo eles, a instalação de fabricas iria criar postos de trabalho, os trabalhadores fugiriam do trabalho no campo e para os segurarem teriam que lhes pagar mais. Quando isto se soube, os trabalhadores rurais entraram em greve, queriam melhores salários já, com ou sem indústria na região, os serralheiros que trabalhavam nas oficinas da cidade e que prestavam serviço para esses agrários, resolveram juntar-se ao protesto e ser solidários com os trabalhadores rurais e por fim as confeiteiras das poucas fabricas existentes juntaram-se ao protesto.
ao decidirem fazer greve os meus pais sabiam que o ordenado da minha mãe não ia entrar em casa, sabiam também que o do meu pai, aquele que o patrão lhe ia dar às escondidas, só ia dar para a renda, a luz e pouco mais. Sabiam que iam passar pior, mas foram em frente. A greve tinha data para começar mas ninguem sabia quando ia terminar, mas mesmo assim a adesão foi grande.
Durante 2 meses os campos e a cidade quase pararam, quase porque há sempre quem não tenha coragem para lutar, mas naquele tempo os corajosos foram mais que os cobardes. Os Agrários estavam enfurecidos, a GNR bateu e perseguiu os que achavam ser os cabecilhas da greve, alguns desapareceram neste processo, podem tentar adivinhar o que lhes aconteceu. Mas mesmo com fome, a levar porrada eles não vergaram, ou havia aumentos ou não havia trabalhadores, os ratinhos trazidos por alguns agrários das beiras eram corridos a pauladas, mal se aproximavam das herdades. Aquilo estava a ferro e fogo. Muita fome passaram nesses 2 meses. O caos chegou ao ponto de o presidente da Câmara ter pedido a intervenção do governo. Salazar comprometeu-se ( dizia-se que contrariado) a não deixar as industrias instalarem-se em Évora, o que nos prejudica até hoje, mas os agrários tiveram que aumentar todos os trabalhadores, terminando assim a greve. Quando voltaram ao trabalho, porque estavam todos endividados, com contas em atraso em todo o lado, homens e mulheres trabalhavam até ao anoitecer, sábados e domingos. Os meus pais, também tiveram que trabalhar dobrado, e depois das 8 horas na fabrica e na oficina, a minha mãe ia para uma herdade aqui perto limpar os chiqueiros dos porcos e o meu pai ia para a ceifa para a herdade do Torres, voltavam a casa já depois de escurecer, para descansar à pressa e entrar às 7 nos seus empregos.
No tempo da fome, fazer greve era um acto de coragem muito maior que hoje, no tempo da fome, fazer greve era mesmo colocar a família inteira a passar fome, mas eles fizeram-nas. acreditavam que juntos conseguiam ter mais força, que só pela luta melhoravam.
Eu sempre trabalhei por conta própria, as greves que fiz foram por solidariedade, mas sinto um orgulho enorme quando a minha filha me diz "que vai fazer greve". Mas o orgulho aumenta, quando a vejo indignada por ter colegas que dizem que "não podem fazer greve porque o dinheiro lhes faz falta" . e é caso para indignação sim, porque a falta que o dinheiro lhes faz não os coloca sem comida na mesa, quanto muito compram menos umas porcarias no mês seguinte.
No tempo em que fazer greve era passar fome, os meus pais não deixaram a luta por mãos alheias, é um orgulho que a "princesa" que nós criamos, a quem nunca faltou nada, tenha consciência que a sua boa vida se deve a muitas lutas e que esteja pronta a lutar , por ela e pelos outros, mesmo que os outros não se portem de forma digna. Mesmo ela e eu saibamos, que na próxima semana para colocar as consultam em dia terá que fazer mais horas e eu terei que ir buscar os netos mais vezes à creche, ela lá vai á luta.
Deixo-vos as fotografias dos cartões do sindicato dos meus pais, no tempo em que ser sindicalizado era um acto revolucionário e que guardo com grande orgulho.
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