a minha mae partiu

 Agradeço a todos os que me acompanharam, aos que me mandaram mensagens e ligaram. Nao consigo responder a cada um por isso respondo aqui. Quero falar-vos da minha mãe, da mulher que 2 anos e alguns dias depois de partir o seu companheiro de uma vida, o meu pai, partiu.

A minha mãe não era uma mãe modelo, não era das que fazem o prato preferido, aconchega os cobertores, lê histórias ou limpa as lagrimas e diz que vai ficar tudo bem. Não era da sua natureza, não era o seu objectivo, não sabia ser assim. Era outro tipo de mãe, das que ensinam a levantar depois de cair, das que ensinam a carregar a carga seja de que tamanho for, a que ensina a caminhar sempre de cabeça erguida, a não vergar. Era esta a mãe que queria ser e foi.
Foi uma mãe que nunca falhou nas horas importantes, que sempre esteve presente para ajudar, mesmo quando refilava, que não quis nunca que nada nos faltasse e especialmente que queria partir a saber que nós ficamos bem, sem ela por perto.
Hoje partiu a minha mãe, mas acima de tudo partiu uma das mulheres mais fortes e mais capazes que conheço. Uma mulher que trocou as voltas à vida e não se conformou em ser dona de casa, esposa, mãe como estava predestinado.
Não, ela quis ser o que ela sonhou, e como ela sonhava. Enfrentou o “seu mundo” e foi trabalhar, não por necessidade, mas para ser livre e foi.
Foi a única tipografa da cidade, foi a 1º dirigente a sul do tejo, foi empresaria, foi sindicalista, foi dirigente associativa, foi desenhadora, socorrista, cozinheira, ela sonhava arregaçava as mangas, aprendia a fazer o que quer que fosse e investia toda a sua energia até ser a Melhor. E era.
Nascida em 1940 era suposto ser a Mulher de alguém, mas ela sonhou ser ELA e foi. E como lutou para o ser. Lutou contra a família, lutou contra a sociedade patriarcal, lutou contra as suas iguais, lutou para conseguir respeito num mundo de homens, lutou contra as injustiças, lutou por ela e por muitos outros, ontem no hospital tiveram que lhe retirar um ventilador pois ela lutava contra ele. Lutou desde que nasceu até partir, esta batalha não ganhou, mas ganhou muitas ao longo da vida, mas deu-lhes sempre muito pouca importância. Para ela não eram lutas era a vida, a sua vida.
A mulher que hoje parte faz parte do grupo de mulheres que alisaram o caminho para as que vieram depois poderem passar, alisou o meu caminho e eu estou-lhe extremamente grata por isso.
A minha mãe era uma força da natureza, parecia que nada nem ninguem a poderia derrubar, trabalhava horas infinitas, parecia que nunca se cansava. Terminava um sonho e passava ao próximo e sonhou até há uns meses, quando a saúde lhe pregou a peça de a colocar na cadeira de rodas. Só aí deixou de sonhar com o futuro. Uma proeza incrível para alguém que viveu mais de 80 anos. Foi aí que começou a deixar-se ir. A cadeira prendeu-a e com esta prisão foram-se os sonhos, estava cansada, queria partir. Pela 1º vez sem revolta, sem queixas, sem brigas.
Era uma mulher complexa, difícil de perceber. Não se calava a ninguem, não dobrava, era refilona, mandona, exigente, extremamente responsável e de uma seriedade incrível. Ao mesmo tempo era simpática, gostava de rir, de falar, tinha um coração enorme, um coração maior que ela, que fez com que ajuda-se centenas de pessoas ao longo da vida, ou a arranjar um emprego, ou a tratar de um papel, ou a arranjar casa, ou a conseguir a reforma, ou a conseguir comida. Se sabia de alguém que precisava de ajuda, familiar, amigo, conhecido ou desconhecido ela encontrava tempo, no tempo que nunca lhe chegava, ia e resolvia. foi uma mulher extremamente solidária até ao fim.
Gostava de ganhar dinheiro, mas tinha um prazer enorme em o gastar e como gastava de comprar.
Aprendi muito com esta mãe que me calhou enquanto mulher, mas especialmente enquanto ser humano.
A mulher que hoje saiu neste apeadeiro da caminhada onde nos encontramos foi tanta coisa em 83 anos de vida que parece que viveu muitos mais.
Partiu cansada, muito cansada, lutou durante 2 anos contra as sequelas do COVID e estava muito farta desta luta, mas manteve-se com uma lucidez inacreditável, a lucidez que a fez em novembro, 2 dias depois de sair de coma, ligar para o lar, acordando a sua ida do hospital directa para lá, cabendo-me a tarefa de pagar e assinar, porquê? Porque não queria deixar-me a imagem dela morta na casa onde vivo e teria de continuar a viver, quem me dera ter a sua lucidez a sua capacidade.
Hoje partiu a Antónia, mulher de armas,
Hoje partiu a avó da minha filha
Hoje partiu a bisa dos meus netos
Hoje partiu a companheira de uma vida do meu pai
Hoje partiu a minha mãe, a mulher que me deixa muito mais do que leva.
A Ela presto a minha homenagem e agradeço ter-me ajudado a ser quem sou e especialmente agradeço-lhe ter escolhido o Aníbal para meu Pai.
Vai em Paz Mãe! Dá um beijo ao pai se o encontrares, como tu acreditavas. Da minha parte vou tentar cumprir o que me pediste e trabalhar menos.

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