O primo Real
As nossas pessoas voam para outras paragens mas só partem quando deixamos de as lembrar.
Quero contar-vos uma historia que vai manter vivo o primo Real, que hoje voou para longe, e a prima Hermínia, que já anda por outras paragens há uns anos. O meu bisavô Carlos e a minha bisa Eugenia tiveram 3 filhos, o meu tio avô Afonso, o meu avô e a Madrinha Real. O 1º e a ultima duas santas criaturas, saíram ao pai. O meu avô um ser com requintes de malvadez que foi buscar à mãe. o meu tio Afonso teve 2 filhas e creio que criou outras 2 filhas só da esposa, não as conheci muito bem. A madrinha Real era mãe do primo Real e da minha prima Hermínia, uma mulher de baixa estatura, de sorriso doce que tinha uma das melhores gargalhadas de que me lembro, um pouco como as da minha mãe. Quando ia de ferias para a aldeia, havia sempre um dia em que queria porque queria, ir dormir com as minhas primas Tonhica e a irmã Alda, todas as vezes a prima Hermínia e a tia Bia tentavam demover-me "tu depois choras" teimosa dizia sempre " desta vez não tenho medo" e sempre conseguia ir. Ia de manha, levada pela Tia Bia, brincava todo o dia la no monte, fazia tropelias com a Alda arrastando a Tonhica para as nossas parvoíces, tudo corria bem mas mal a noite descia sobre a herdade começava a ficar calada, quieta, quando o breu se abatia sobre os campos e nós já estávamos deitados o medo tomava conta de mim, começava por chorar baixinho, depois ia aumentado o tom ate que chorava compulsivamente, entrava em pânico, por mais que a boa da Hermínia tentasse, eu não acalmava. Ai ela com toda o seu carinho, pegava em mim, e vinha levar-me à aldeia por entre as veredas de lampião na mão, deixando o marido e as filhas em casa. Cal quilhava um longo caminho para me levar e para voltar, mas fazia-o, o estranho é que assim que nos ponhamos ao caminho, apesar do escuro à volta da luz que só alumiava o chão que pisávamos eu começava a acalmar e já chegava à aldeia quase boa. Ai já a minha tia Bia me esperava, ambas sabiam que eu não conseguia cumprir e ficar a dormir no meio do nada. Eu pedia desculpa, elas desculpavam e no ano seguinte voltávamos a ter aquela sanfonice, porque a minha prima Hermínia era uma santa criatura. Com o meu primo Real, irmão da Hermínia, a relação era diferente. Guarda Fiscal, tinha sempre um ar sério e de força. Quando chegava do trabalho passava no café da Tia Bia e para se meter comigo, perguntava sempre o que eu tinha feito de mal, para ver se me levava presa, eu muito senhora do meu nariz metia as mãos à cintura e retorquia que não ia presa pois tinha-me portado bem, para mim portava-me sempre bem, ele lá fazia o ar de guarda e deixava o recado à tia "se ela se portar mal diga que eu levo-a presa" e lá ia. Um dia sei lá porquê resolvi ir para o café da tia e dar rebuçados a todos os miúdos da aldeia, ela quando deu por isso zangou-se, ficou bem brava a Tia Bia, acho que nunca a tinha visto assim e acho que nunca mais vi. Fiquei de castigo toda a tarde. quando a tarde já chegava ao fim, pedi-lhe para ir à Madrinha Real, deixou. Lá chegada perguntei pelo primo, ainda nao tinha vindo, sentei-me numa cadeira e com as mãos na cara fiquei à espera, mal ele entrou no quintal levantei-me que nem bala e com os braços estendidos disse "hoje fiz uma maldade podes levar-me presa" , deve ter rido o primo mas não se desmanchou levou-me à Tia Bia para ela lhe dizer o mal feito e no fim deu a sentença, como tinha sido a 1ª vez não ia presa mas todos os dias tinha que ir apanhar os ovos na capoeira. Cumpri a pena religiosamente todos os dias ao acordar e nunca mais dei nada a ninguém do café da tia. Hoje ao acompanhar o primo Real voltei a reviver essa nossa história e ela fez-me sorrir num momento triste.
Nem ele, nem a Hermínia, nem a tia Bia desaparecerão enquanto nós os lembrarmos, podem voar mas não desaparecem no horizonte.
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