Dia dos avós
Dizem que hoje é o dia dos avós. Eu já não tenho avós mas eles fazem parte de mim. Conheci 3 avós e 2 bisas, todos eles me marcaram. A minha avó Zefa, mae do meu pai,esteve louca muitos anos, morreu quando eu tinha 8 anos, antes disso vivia lá em casa e punha-me maluca com a mania de me guardar e esconder os brinquedos, era uma espécie de "irmã" chata que eu tinha. Na época não achava graça nenhuma pois não percebia o que era a loucura, só sabia que era uma adulta, que fazia disparates e que não me deixava brincar sossegada. Era chato pois não podia brigar com ela,já que o meu pai não deixava "respeita a avó, ela não sabe o que faz, mas tens que a aceitar assim, nem que é tua avó, mas tu e eu sabemos" e assim eu lá tinha que conviver o melhor possível com ela, adorava passear, mesmo louca estava sempre pronta para ir para a rua e nas festas estava sempre a dançar! Foi com esta convivência que aprendi a aceitar cada um como é, goste ou não! Havia o meu avô António, pai da minha mãe, um homem dificil, mau que infernizava toda a gente. Quase ninguém o confrontava , todos respeitavam as suas ordens, disparatadas algumas diga-se de passagem, era o homem que contava as frutas nas árvores e não deixar ninguém apanha-las. Um homem que tratava muito mal as pessoas e os animais, frio arrogante, de maus fígados, injusto, um ditador. Um homem que raramente sorria, excepto comigo, comigo ria e ria porque eu o afrontava, brigava com ele, desrespeitava as suas ordens, colhia as pêras e as laranjas e ia dizer-lhe, ele ria-se e dizia aos outros "raios partam a gaiata que não tem medo de mim, esta não se dobra"! Foi com ele que aprendi a contestar o que acho injusto ou desproporcional! Durou até aos 99 anos e sempre fui a única da família ( e somos muitos) a fazer-lhe frente, mas ele riu-se até ao fim desta nossa forma de funcionar! A minha Bisa Antónia era uma mulher barulhenta, que colocava todos a trabalhar, que resolvia todo e qualquer problema. Uma mulher de negócios. Conhecia já velhinha, mas mesmo assim era ela quem tinha a ultima palavra no seu clã familiar. Uma Sacaia, de fibra. Com ela aprendi que "se queremos feito, fazemos não mandamos fazer" esta frase era repetida volta que não volta. O meu bisa Inácio, marido da Antónia, era um homem que me habituei a ver a ler ,a tocar flauta, violino e gaita de foles. Pastor toda a vida, tinha uma paixão enorme pelos animais e pelo campo, tranquilo, de poucas conversas e sempre disposto a encontrar consensos. Um homem muito à frente do seu tempo que deixou os negócios na mão da mulher pois segundo ele "ela faz isso melhor que eu". O meu bisa Inácio foi o 1º homem da zona de Santiago a mandar as filhas para a escola dizia ele " as minhas filhas tem os mesmos direitos que os meus filhos, são todos iguais" e assim tratava todos. Foi com ele que todos nós aprendemos que elas e eles sao iguais. E tive a minha avó Zulmira. Tratada com todo o respeito e igualdade pelo meu bisa Inácio, foi casar com o meu avó António, uma desgraça para qualquer mulher, mas a minha avó era uma mulher sábia e aprendeu a viver com isso, pois como dizia " é preciso saber viver" e ela sabia. Nunca contestava o meu avó mas lá ia fazendo o que achava certo. Nunca lhe respondia, mas sempre levava a agua ao seu moinho. A minha avó Zulmira tinha conhecimentos únicos, criada na zona do Alandroal, juntava o conhecimento cristão ao pagão. Fazia rezas, mezinhas, curas que só ela sabia. Tinha rituais pagãos que só mais tarde percebi estarem ligados ao Endovelico e por isso o meu avó dizia "lá anda a maluca de lado para lado" e ela sorria, sorria sempre. Mas ele de cada vez que estava aflito lá ia para que ela o rezasse ou fizesse um "reponso", nessas alturas ela dizia sempre o mesmo " afinal precisas da maluca" e sorria, ele engolia e calava. Todos nós andávamos sempre a ser benzidos e lavados com aguas com ervas, era uma chatice para quem é pequeno. A minha avó tentou ensinar-me muitas coisas, afinal era a única neta mulher, e estas coisas passam de mulher para mulher, mas eu aprendi pouco, estava mais concentrada na modernidade, lamentavelmente. Ela queria ensinar-me tanta coisa e eu aprendi tão pouco! A minha avó morreu uns meses antes da minha filha nascer, no hospital já muito mal, colocou a mão na minha barriga e disse "esta menina vai seguir o meu caminho e vai gostar de salvar vidas" "E tu vais ser feliz, neta!" A minha avó acertou, a bisneta é medica e ama salvar vidas! E eu sou feliz! Tenho pena que tenha partido tão cedo, teria aprendido tanto com ela. A minha avó era uma mulher que sabia viver, não teve tempo para me ensinar!
Comentários
Postar um comentário