horas extraordinárias
Na década de 50 Évora era uma cidade cercada por grandes explorações agrícolas, assim sendo a população dos bairros era formada basicamente por trabalhadores rurais, ou por operários das oficinas. Essas encontravam-se situadas no Centro da cidade. Eram muitas e trabalhavam basicamente para os donos das terras. Nelas existiam os patrões, os Mestres, os operários de 1ª, de 2ª e os ajudantes. Com o fim do inverno essas oficinas enchiam-se de alfaias agrícolas que teriam de estar prontas em tempo útil para trabalhar a terra assim que o tempo o permitisse. Era então comum estes operários entrarem muito cedo e saírem muito tarde. Obrigando-os a sair de casa de madrugada e a regressar já noite cerrada. Lembremos-nos que a maioria desta gente morava nos bairros afastados ou nos montes e faziam os caminhos a pé. Apesar de trabalharem mais que de sol a sol, os patrões só pagavam mais aos mestres e aos operários de 1ª, os outros levavam para casa exactamente o mesmo salário de miséria. Numa destas alturas, os operários das oficinas resolveram pedir o pagamento desse tempo a mais, os patrões na maioria não concordou e eles fizeram uma reivindicação colectiva sui generis. Naquele tempo a maior parte das pessoas não tinham sapatos, na cidade só se podia entrar com sapatos, essa gente que aqui vinha trabalhar alugava-os todos os dias em lojas situadas nas portas de entrada. Como reivindicação resolveram deixar de alugar os sapatos e entrar descalços ou com os tamacos que usavam. Nos primeiros dias, talvez pela surpresa, a coisa passou mas depois o presidente da câmara resolver colocar a GNR nas entradas da cidade onde só entrariam calçados, não se calçavam ali ficavam dias inteiros sem entrar e sem trabalhar, pacificamente, sem se oporem à guarda e sem criarem conflito. Nas oficinas o trabalho acumulava-se pois a maioria não chegava lá. Os agrários queriam as maquinas prontas, as oficinas não tinham quem as arranjasse e o caos instalou-se. Esta reivindicação durou umas semanas e quando os Descalços, os Torres, os Cordovis, os Potes e demais agrários já estavam pelos cabelos, os donos das oficinas cederam e aceitaram pagar a todos as horas a mais nos períodos de maior trabalho e tudo voltou à normalidade.
O meu pai, que na época já era operário de 1ª e tinha sapatos , juntou-se aos colegas de profissão e ao chegar à entrada da Porta da Lagoa, descalçava-se e ali ficava à espera, em solidariedade com todos os outros.
Isto aconteceu na década de 50, regime fascista, cidade feudal de Évora, hoje seria dificil este companheirismo, e não me venham dizer que é por falta de dinheiro, ou por terem famílias, que eles também as tinham e comiam sopas de pão todos os dias.
Isto eram actos de resistência colectiva!
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