a minha mae faz anos
Hoje a minha mãe faz anos e é esta a mulher que quero homenagear na véspera do Dia da Mulher.
Não porque é minha mãe isso faço pessoalmente, mas a Mulher.
Filha de um lavrador de mau feitio e de uma mãe submissa, sem nunca ter tido faltas materiais a repressão, conservadorismo, falta de humanidade e carinho naquele circulo familiar talharam-lhe o ser e talvez por isso se tornou uma mulher valente e lutadora. Aos 16 anos resolveu que ser esposa e mãe submissa como a sua, não era a sua vontade e empregou-se contra a vontade familiar no Fomento Eborense. Enfrentou o preconceito, o falatório e má língua da época por essa sua escolha, “mulher decente obedecia ao pai e não tralhava fora de casa” a agravar a coisa resolveu que trabalhar de calças era muito mais confortável e começou a fazer as suas próprias calças, lindas diga-se em bom da verdade. Aos 18, mais uma vez foi contra a ordem paterna e fugiu com o meu pai, um homem pobre, em vez de casar com o pretendente escolhido pela família...o caldo voltou a entornar e nesse mesmo ano mudou-se para a cidade algo também fora do estabelecido. Mas ela enfrentava tudo de cabeça erguida, levando sempre a sua ideia em frente, lutando pela sua liberdade.
Uns anos depois na Fabrica abriu o concurso para chefias e, apesar de nunca terem concorrido mulheres ela candidatou-se, reunia as condições e achou que tinha capacidade para o cargo. Foi uma afronta social...os homens insultaram-na e as mulheres condenaram-na. Chegaram a ir falar com o meu pai para que ele a proibisse, o que caiu em saco roto pois esse foi sempre o único que nunca a quis controlar e que sempre esteve ao seu lado. Ganhou o concurso e passou a chefiar uma fabrica de 2 mil pessoas. Teve grandes oposições, grandes boicotes mas nunca se acobardou, criou uma carapaça dura e fria. Empenhou-se na carreira de corpo e alma, sem horas para voltar para casa, com dias e noites de trabalho árduo, provando que a sua condição de mulher, esposa e mãe, não lhe condicionavam as tarefas. Estabilizada esta posição e com a força que o cargo lhe dava, começou a lutar por melhores condições na fabrica. 1º os bancos para não trabalharem de pé, depois a creche para os filhos, o pagamento das refeições, as horas extraordinárias, os dias de acompanhamento aos familiares por doença, os subsídios de ajuda às viúvas, os descontos nos supermercados do grupo, o seguro de saúde e de invalidez e por ai...sempre que os lucros da Fabrica subiam e subiam todos os anos, ela pedia algo mais para todos. O patrão brigava, dizia-lhe que o papel de chefe não era esse, mas como não a demovia cedia. Quando o 25 de Abril se dá, todas estas coisas já estavam implementadas no Fomento e ela foi indicada para a comissão de trabalhadores quase por unanimidade, coisa rara para um Chefe. Tinha vencido os preconceitos de género e de hierarquia. Na década de 80, quando a fabrica fechou e a deixa sem emprego, assim como ao meu pai, arregaça as mangas e abrem um restaurante . Uma ideia estranha já que nunca cozinhava e não era lá grande coisa nesta arte. De um dia para o outro transforma-se numa cozinha excelente e numa doceira ainda melhor. O restaurante vai ser a sua vida durante 25 anos e ai continua a travar batalhas pessoais e sociais. Pessoais, pois a área é dominada por homens e quem gere o espaço é ela e não o meu pai, homem pouco dado a lidar com dinheiro e que gosta pouco de preocupações desta natureza, sociais pois eleva a tabela salarial, paga feriados, domingos e horas extra, o que não era comum na restauração, mas a que ela estava habituada na fabrica. Vários são os colegas da hotelaria que vão ter com o meu pai a reclamar, ele como sempre apoia todas estas decisões, que também defende. A esta tarefa se dedica de novo de corpo e alma, sempre sem entregar os pontos, este passa a ser um espaço onde muitos universitários são acolhidos, não só para almoçar e jantar, como para as festas , para lhes tratar da roupa quando não vão a casa ou para lhes cuidar das doenças como se fosse mãe deles. Contaram com ela todos os dias também as famílias carentes da zona, era ali que iam buscar a refeição, numa altura em que este apoio ainda não era dado pelas juntas, segundo ela
“ mais refeição menos refeição não custa nada, o importante é não deitar nada fora”. Quando chega a hora da reforma, esta encontra-a cansada e cheia de mazelas mas ainda com força para lutar, passa a dedicar o seu tempo às vizinhas que tem reformas miseráveis, a conseguir subsídios para desempregados e apoio para vitimas de maus tratos. Corre as instituições com este e aquele, tentando resolver este ou aquele drama. Hoje com 75 anos, debilitada fisicamente continua a lutar, desta vez com o corpo que não ajuda, mas que ela obriga a funcionar...quer ele queira, quer não queira vai ter de se mexer, não só para as lides domesticas normais, como para os licores e bolos que tanto nos agradam ou para sair de casa que esta coisa de estar sempre fechada a entedia.
No meio de todas estas batalhas, lutas e causas a minha mãe não teve tempo para ser uma mãe muito presente, mas isso é o de menos pois o seu valor como mulher anónima é enorme e tanto eu como a minha filha, sua neta, temos muito orgulho na mulher que nos calhou na rifa.
É destas mulher que trata o 8 de Março, são estas mulheres que servem de referencia, mesmo sem ficarem na historia!
Hoje a minha mãe esta de parabéns e amanhã também!
Comentários
Postar um comentário