a provação dos meninos pobres

 9 anos, Herdade de Pinheiros, 15 km de distancia de casa, a pé descalço, com uma blusa leve e umas calças pelas canelas, um menino é contratado para guardar ovelhas. Em troca, um garrafão de azeite, uma saca de farinha, meia arroba de azeitonas e 1 arroba de batatas, ao ano. O pagamento tinha varias condições, não deixar fugir nenhuma ovelha, só ir a casa uma vez por mês e não ter queixas do feitor. E o trabalho começa, os borregos recém nascidos, colocados a dormir dentro da cabana ajudam a aquecer nas noites gélidas de inverno, Piloto o cão, ajuda na tarefa especialmente por volta das 5 da tarde, hora de ir à herdade fazer a única refeição do dia. Os meses passam, nas idas a casa o aviso de que cumpra tudo o que está acordado com o patrão para trazer para casa os alimentos sem nenhuma falha. Está decidido a cumprir, a honrar a palavra do pai. Mas a vida complica-se, o feitor quer colocar no seu lugar um outro menino, começa a trazer mais ovelhas que as acordadas, fica dificil guarda-las, elas tentam fugir, ele passa os dias a correr atrás delas, a ajuda de Piloto é fundamental e elas continuam todas lá. o feitor manda-lhe ovelhas prenhas, nunca tinha feito um parto, mas tem que se desenrascar, nao pode deixar morrer nenhum filhote, enrosca-os no corpo franzino, aquece-os, obriga-os a mamar e eles sobrevivem. Continua sem macula o contrato. está perto do fim , em casa nao diz nada, não se pode levar problemas para casa, o pai não havia de gostar, aguenta firme, falta pouco. Mas o feitor não desiste e um dia quando vai tomar a sua única refeição do dia, para ele não há comer, diz envergonhada a criada na casa da malta. Volta de barriga tão vazia quanto foi, resta-lhe chupar a côdea de pão que tem no talego,. O pão que a mae manda pelo irmão mais novo, uma vez por semana e que divide para chegar para os dias todos, o conduto, esse já tinha ido. No dia seguinte à mesma hora volta à casa da malta, e a cena repete-se "para ti não há janta". Sabe que não pode reclamar com o feitor, sabe que se o fizer ele fará queixa dele ao patrão e lá se vai o pagamento, volta para as ovelhas, para o cão piloto e para a solidão, nessa noite chora com fome e fica triste, os homens não choram, mas ele é só um menino. 5 dias, é o tempo que dura a sua provação, 5 dias onde o que lhe vale é o resto do pão que vai chupando para durar e o leite que bebe directamente das ovelhas, dividindo assim o que seria para os recém nascidos. aguenta-se, tem que aguentar. Quando já começa a sentir o desespero há uma ajuda inesperada, a velha cozinheira desobedece e da-lhe comida às escondidas ate ao fim do contrato, deixa-lhe a comida debaixo de uma pedra no caminho para a casa grande, lá o feitor raramente vai, e o pequeno resiste.O contrato chega ao fim,passou um ano, o pai vai busca-lo, a contra gosto o feitor tem que cumprir o acordo firmado, levam para casa o produto do trabalho daquele menino de 9 anos, que em vez de andar na escola, trabalhou dias e noites a guardar ovelhas ,não deixou fugir ou morrer nenhuma e que resistiu a 5 dias sem comer. No caminho de casa com o Piloto ao lado, sentiu-se um homem forte, como o seu pai e ali sentiu orgulho, tinha o sangue dos Barrenhos. Esta foi a historia que me contou o meu tio, domingo passado, este é um dos episódios da sua vida, vida essa que já tem para lá de 90 anos. E no fim terminou com esta frase " filha os Barrenhos não se vergam, nunca se vergaram todos sabiam isso" e eu ali entre ele e o meu pai, que tem muitas historias semelhantes, senti-me tão fraca, tão pequenina, tão pouco digna de ser a sua continuidade...Obrigado tio, obrigado pai, por mais esta lição de vida e desculpem não vos chegar aos calcanhares, mas os Barrenhos já não são o que eram.

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