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Mostrando postagens de janeiro, 2022

Hipocrisia

  Ontem comemorou-se o centenário de Virgílio Ferreira, o escritor português que escreveu sobre Évora e as suas gentes de forma clara, objectiva e directa. Ontem por aqui muitos foram os que relembraram e homenagearam a sua obra e o seu nome. E eu assinei em baixo. Mas houve um post que me deixou possessa...uma professora de português que conheço empolou a obra do escritor e rasgou-lhe muitos e diversos elogios. Concordo com ela mas mais uma vez comprovei que aqui neste espaço virtual todos são bons, todos fazem o seu papel, o pior é na vida lá fora, onde se influenciam pessoas, onde se transforma a sociedade. Ai, é preciso mais que teclar e dá trabalho. Porque digo isso? Porque a senhora foi professora na escola da minha filha quando estava no currículo o estudo da obra de Virgílio Ferreira. Na época muitas eram as turmas que visitavam Évora e faziam o percurso da historia descrita pelo escritor, vinham de todo o País. Foi por isso com grande assombro que soube que as turmas de Év...

Olha pá, lembras-te das historias que te contavam à lareira?

  Olha pá, lembras-te das historias que te contavam à lareira? Das lágrimas, fome, miséria e sujidade que os teus sentiram entranhadas nos corpos carcomidos? Lembras-te do olhar sem brilho dos teus avós, sempre que não se sabiam olhados... olhares negros pelas lembranças de um murro que lhes tolhia a liberdade, que os separava dos seus amores. Lembras-te pá de escutares os soluços abafados quando a noite caia e dos gemidos incontidos quando os pesadelos do horror os tomavam na calada do sono. E do cansaço, aquele tremendo cansaço da vida não vivida com os seus. E lembras-te das vezes em que olhavam uma moldura de familiar, na qual tantos faltavam? E das festas pá, lembras-te de sentires a solidão que carregavam por se acharem indignos de ter sobrevivido ao pai, à mae, à irmã? Lembraste quando se arrepiavam de cada vez que falavam do arame que se prendia ao corpo a cada tentativa de fuga? E do olhar de horror que faziam perante a destruição que os filmes passavam? Lembras-te pá? Sao...

não tens sentido de preservação?"

  Recebi uma mensagem privada depois de um comentário que fiz que dizia "não tens sentido de preservação?" Tenho...nao consigo é nao dizer o que penso, se isso levar à minha extinção, paciência!-respondi Isso levou-me a pensar na Trisavó, teve 12 filhos, todos chegaram a adultos o que na época era um milagre. A todos ensinou que nunca se deviam calar perante o que achavam mal e que era preciso lutar. Dos 12, 6 morreram por causas, um na revolta dos quartéis, outro foi assassinado por ser anarquista, outro morreu no Tarrafal por ser comunista, um outro foi para o desterro em Angola e lá morreu, outro morreu na greve das minas e o ultimo morreu numa Praça de Jorna, no tempo em que o trabalho era tão escasso e tão mal pago que os homens tinham que ficar nas praças à mercê dos agrários para serem escolhidos naquele dia para trabalhar. Nesse dia não só o agrário negociava com um camarada um valor ainda mais baixo como queria colocar no negocio a filha do pobre homem. O Joaquim li...

Mudam-te o nome, mas eu conheço-te na mesma!"

  Estao a mudar a terminologia das coisas. Chamam Hub's aos espaços onde se desenvolvem vários e diversificados projectos culturais. Chamam teatro de comunidade, às criações teatrais realizadas por gente de uma comunidade que tem outras actividades profissionais e que nas suas horas vagas se dedica ao teatro. Chamam orquestras informais, ao encontro ente vários pessoas que aprendem diversos instrumentos, não sendo profissionais da área e que depois apresentam em conjunto criações musicais. Chamam slod food, à arte de saborear um prato típico com tempo e entre horas de conversa Chamam voluntários, aos que desenvolvem trabalho fundamental nas instituições sem remuneração. Chamam insuficiência alimentar, á necessidade que alguns( cada vez mais) tem de se alimentar. Chamam a muitas outras coisas nomes pomposos, inócuos, limpos, descomprometidos e que dão bom ar e sustentam algumas péssimas praticas, ao mesmo tempo que os carimbam com o ar de modernidade e vanguarda. Pois para mim, que...

Homens feministas tambem os ha

  A igualdade continua a estar em discussão, a forma como se educam os meninos e as meninas e o léxico usado são factores fundamentais para alterar esta questão. Não discordo. Mas o ser que habita cada um de nós também tem peso nesta equação... O meu pai tem quase 90 anos e a minha mãe sendo um pouco mais nova também já passa dos 80. Quando começaram a viver juntos não era comum as mulheres trabalharem fora de casa, pelo menos não as do seu nível social, só as mulheres ricas e estudadas ou as muito pobres. Mas uma das condições que a minha mãe lhe pôs foi continuar a trabalhar. Ele aceitou na boa, apenas quis que se mudassem para a cidade para ela não ter de andar 7Km a pé de madrugada e outros 7 Km ao anoitecer. E assim aconteceu. Alguns anos mais tarde, já eu tinha nascido, foi convidada a aceitar um cargo de chefia, pensou em não aceitar pois não teria como me ir buscar e levar ao convento, foi o meu pai que a incentivou ceder e propôs que fosse ele a fazer essa tarefa, bem como...

Violência domestica

  Este video apareceu aqui uma semana depois do meu pai me contar uma peripécia que a minha mãe havia feito. Desde pequena que vi a minha mãe ajudar amigas que eram maltratadas, vezes sem conta ela saia com o meu pai para ir buscar amigas que se tinham escondido dos maridos. Vezes sem conta a vi curar as feridas que estas transportavam consigo. Muitas vezes os vi ir a tribunal testemunhar contra maridos ou pais violentos. A violência domestica, sem estar na minha casa, sempre esteve perto de mim. Depois durante uns anos deixei de ouvir a minha mãe falar dela. Na semana passada voltou à baila. Há uns meses ela encontrou uma amiga de infância no posto de saúde e a senhora tinha um braço partido, consequência de uma sova que o marido lhe deu. Veio para casa indignada, afinal é gente com 80 anos já deveriam ter juízo. Uns tempos depois, na loja lá do bairro, encontrou o tal marido, de quem também na juventude tinha sido amiga e como ainda estava indignada, deu-lhe um raspanete e d...

Chefe Piçarra

  O Diário do Sul faz 50 anos. Não vou aqui falar sobre se é mau ou bom, se é o jornal que achamos que deveríamos ter, nem me fico apenas por lhe dar os parabéns que os merece. Quero falar-lhes no homem de coragem que há 50 anos arregaçou mangas e se meteu nesta empreitada e que tive a honra de ter como chefe durante vários anos. Madeira Piçarra teve a ousadia e a coragem de afrontar os poderes da época e sonhar com um jornal Diário para Évora. Não vinha das elites, nem pertencia aos barões da cidade, tinha só um sonho. Se hoje ter sonhos em Évora é para os fortes, há 50 anos era para os destemidos. E ele foi um destemido, da sua historia e luta inicial sei algumas das historias que me contou quando trabalhei para a Radio, mas tenho a certeza que as mais duras, mais violentas as guardou só para si. Muitos foram os que se lhe opuseram, muitos foram aqueles que o quiseram esmagar, muitos lhe fizeram a vida negra. Mas o seu sonho falou mais alto e ele lutou brava mente para o implant...

o meu poeta já voou e a dor, doeu!

  Tentem visualizar... Fechei as portas em Março e estive confinada ate agosto, mantive-me sem trabalhar e lutei para nos manter a todos como pôde. Em Setembro abri de novo, dentro das regras, com as adaptações, com a segurança necessária. Em Novembro os números dispararam e fechei a actividade, sem me mandarem para nao ser mais um meio de propagação do vírus, mesmo sem ser intencional. Fiquei em casa. No meu pequeno núcleo familiar, a filha foi a única que teve que se manter a trabalhar fora de portas. Foi para a linha da frente todos estes meses, deixando-nos a todos com o coração nas mãos. O neto não voltou a´ creche, para dar mais disponibilidade a quem la´ trabalha e tem que receber aqueles que os familiares não podem deixar de levar. O genro, esta´ em teletrabalho desde Março e assim ira´ continuar, não voltou a´ rua senão para o passeio com a cadela. No Natal em vez da festa com os 40 familiares que há anos se juntam, fizemos um Natal a 6, aqueles que se continuaram a dar. N...

Os mesmos de sempre

  Ontem, deixei o trabalho a meio e estive na Praça do Giraldo na Vigília pela Liberdade de Expressão. Que para mim é pela Liberdade seja qual for. E por lá as caras de sempre. As caras das causas, dos defensores dos direitos e garantias que "todos" defendem. Estava composto, não digo que não, mas muito aquém do que deveria, sendo o tema tal importante para nós e para o mundo e precedido de um acto bárbaro como o foi o assassinato em França. Mas não foi o numero que me deu amargo de bocas, pois estou habituada a números pequenos. A historia ensinou-me que as transformações e as lutas começam por números pequenos e só depois as fileiras vão enchendo. O amargo de boca foi outro... Em todas as transformações sociais e culturais os homens da frente, foram ate ao final do sec 20 os Intelectuais, os artistas, os livres-pensadores, no Mundo e aqui no burgo também. Mas ultimamente por cá dou por falta deles! Estavam presentes alguns Jornalistas sim, mas os das Televisões Nacionais! E...

Janeiras em Évora

  Ontem voltamos a Cantar as Janeiras na minha cidade, e digo cantamos porque apesar de não cantar coisa nenhuma sempre cantei as Janeiras! Quando miúda Cantar as Janeiras era uma tradição da cidade. Numa época em que Évora era uma cidade marcada por zonas, quase todas tinham o seu grupo de Janeiras, excepção da zona de S. Pedro, fina de mais para isso. Saiam todos à mesma hora, 20h e toca a sair para cantar. O grupo do Farrobo, fazia a zona de Machede e a do hospital. A de S. Mamede a sua zona e a da Rua de Avis, á qual pertenci começava na rua do Muro, ia para o Chão das Covas, descia para a Rua da Lagoa ate à Porta Nova, ia até à Praça do Giraldo, depois descíamos pela Rua de Avis e terminava no Jardim. Pelo caminho íamos batendo a algumas portas e recebendo alguns mimos, doces, frutas ou mesmo moedas. Nenhum grupo de Janeiras passava para a zona de outro a excepção era a Praça do Giraldo ai iam todos os grupos, os de S. Mamede chegavam pela Rua 5 de Outubro, os do Farrobo pela ...

Morreu Mário Soares

  Morreu Mário Soares...pois um dia tinha de ser o senhor já tinha alguma idade. Nunca lhe desejei a morte, nem a ninguém felizmente mas tenho algumas coisas a agradecer-lhe... Agradeço-lhe ter sido conivente enquanto 1º Ministro com o encerramento fictício do Fomento Eborense em 1983! Agradeço-lhe ter assim mandado para a rua os meus pais e mais 2 mil pessoas de Évora! Agradeço-lhe, com esta sua ajuda ao golpe, ter perdido muitos amigos que tiveram de sair da cidade! Agradeço-lhe por ter sido obrigada a desistir da Universidade já que só eu consegui arranjar emprego! Agradeço-lhe ter ido trabalhar com 17 anos para a Simmens! Agradeço-lhe a depressão da minha mãe nessa altura e que lhe deixou mazelas ate hoje! Agradeço-lhe ter-me tirado o sonho de ser o que sempre pensei ser! E por fim agradeço-lhe que dois anos depois de ter participado desta tragédia que Évora e eu propria vivi, ter condecorado com a grã cruz da ordem de mérito industrial, Fernando Alves Martins, o empresário qu...

As Janeiras do meu pai

  Na noite de Natal em conversa com o meu pai falamos das Janeiras, que tanto ele como eu cantamos... Fiquei a saber que cantou as Janeiras pela primeira vez com 6 anos, já trabalhava, já podia ir com os homens cantar. A pé descalço, sob a erva gelada, com uns calções e um casaco do irmão do meio que lhe chegava abaixo do fim dos calções, lá foi de herdade em herdade, de monte em monte numa noite de Inverno rigoroso. Depois desse dia cantou as Janeiras muitas outras vezes. Iam de herdade em herdade cantar ao dono da casa e com isso conseguir uma bucha melhorada, resultado dos restos do Natal e com a esperança de trazer para casa alguns mantimentos que ajudassem a escassez, que nesta altura do ano era comum nas casas dos pobres. Segundo ele, cantavam-se as Janeiras e os Reis. Os Reis eram cantados mais na cidade e pelas gentes ligada à igreja. As Janeiras eram cantadas basicamente pelos homens do campo, que ou eram anarquistas ou não tinham grande apreso pela religião católica. Uma...

o Albergue

  O albergue, como era conhecido o centro de teste Covid dos canaviais, é um edifício que conheço desde sempre. Quando o meu pai comprou a quinta tinha eu 5 anos, era pela azinhaga das 5 cepas ao lado dele que nós íamos para la´, nao havia outra forma. Mais tarde, quando passou a unidade de psiquiatria do hospital fui la´ muitas vezes ver a minha madrinha Jacinta quando ela piorava, já aqui vos contei que ela enlouqueceu devido a´ violência domestica. Quando ela morreu deixei de la´ ir, foram feitos outros acessos a´ quinta dos meus pais pelo que passo la´ muito pouco. Hoje voltei, nao se assustem os amigos e nem se animem os inimigos, nao estou doente, nem fui fazer teste só fui acompanhar umas pessoas. Como dizia, voltei ao edifício e na parte que foi remodelado para receber o centro covid esta tudo impecável. O que me levou a pensar, mas porque cargas de agua o hospital deixa aquele espaço imenso ao abandono em vez de o usar? ali poderia muito bem ser a zona de consultas exte...

A menina Chica

  Ontem devido a um post que me passou pelos olhos lembrei-me da mercearia da Menina Chica. A menina Chica era uma senhora que teria ai uns 50 anos quando eu era uma pirralha. O seu lugar de hortaliça ficava em frente ao Jardim da Rua de Avis e era lá que íamos às compras, havia outro, mas íamos mais a este não sei porquê, já que a minha mãe era amiga das duas famílias. Mas isso agora não interessa...o que interessa mesmo é o ritual que tinha aquela ida às compras. Entrando no lugar de hortaliça, havia logo quem fosse à casa da menina Chica, que ficavam por trás da loja, buscar mais uma cadeira e uma caneca de chã ou café, conforme o gosto da cliente e entre escolhas, pesos e medidas as compras da semana eram feitas entre um golo quente do que quer que fosse e a actualização dos temas da semana. A menina que estava doente ou a vizinha que mudou de emprego. A traição deste ou desta contada em tom de sussurro ou as peripécias de alguém que teve de ir a Lisboa ao médico. A menina Chic...