natal da avó zulmira
O natal da minha infância já vai longe mas está na minha memoria como se fosse ontem. Na minha casa sempre se fez o presépio, a árvore entrou já eu era adolescente. Retirava-se algum móvel do lugar, ia-se ao musgo ali para a estrada da Igrejinha, colocavam-se as figuras no lugar, sem o menino nas palhinhas que esse só chegava na Noite de Natal e ao longo dos dias iam-se aproximando os reis magos da cabana. Um ritual que repito até hoje, com excepção do menino que fica logo no lugar desde o inicio. Depois as prendas iam aparecer em cima do fogão da minha mãe dentro da chaminé no dia 25 de Dezembro. Já na casa da minha madrinha as coisas não eram bem assim, o presépio não entrava mas a árvore de Natal sempre foi figura principal. Ela decorava-a com fitas e bolas e o meu primo Zézinho, rapaz que sempre teve pelo dinheiro um amor doentio, pendurava notas de 20, 50 e 100 escudos aos ramos com molas da roupa. Sempre achei horrível aquela sua árvore, se não era para ter chocolates para quê ter árvore de Natal? Mas ele era o que gostava, talvez ainda goste, é rapaz para isso! Quanto à casa da minha avó Zulmira, onde passamos a ceia durante muitos anos, não tinha lá grandes enfeites, nem presépio e nem árvore, que o meu avô não gostava de desperdiçar dinheiro em coisas que não fizessem falta. Mas o facto é que a minha avó tinha uns rituais só dela, que apesar de achar estranhos eu gostava de ver. Nascida na Aldeia da Venda, ali para os lados do Alandroal, vinha de uma zona onde o pagão e o cristão se misturam sem se perceber bem porquê, sim sei que há teorias mas são só teorias, o facto é que a minha avó nunca conseguiu explicar "era assim desde sempre -dizia ela" . Voltemos aos rituais, antes da ceia, andava com ramos de alecrim de casa em casa, dizendo umas ladainhas que não recordo e benzendo-se, alecrim esse que guardava para queimar depois da meia noite na lareira numa bacia de metal que só servia para isso. Depois de comermos o bacalhau com as couves e os doces que ela havia preparado, rezava uma oração e esperava pela meia noite. Assim que o sino começava a tocar, saia para o quintal e iam colocar laços coloridos de papel que havia feito nas árvores de fruto. Esses laços eram primeiro "estendidos à lua" e só depois amarados aos ramos. Quanto todas tinha os laços, virava-se para a lua e rezava uma outra oração, depois sim dava por findo o Natal e podíamos ir dormir. Eu como única neta do sexo feminino tinha que a acompanhar e embora gostasse tentava escapar-me pois apesar de encasacada, de gorro e luvas, aquele frio entranhava-se no corpo. Já a minha mãe, mulher com a mania de ser modernaça e pouco dada a esses rituais, que nunca quis aprender, de vez em quando vinha à porta dizer "mãe acabe com isso traga a miúda para casa que ainda fica doente" nesses momentos o meu avô aproveitava e deitava uma das suas frases delicadas " oh mulher já não basta tu seres maluca ainda queres fazer a gaiata". Eu reconheço que só para contrariar os dois e para agradar à minha avó, mesmo enregelada lá ficava até ela dizer "vamos aquecer?" E íamos sentar em frente à lareira com uma caneca de chocolate quente que ela tinha feito antes de sairmos para a rua e queimar o alecrim na tal bacia, o que deixava na casa um cheio muito agradavel! Fiz aquilo até me tornar uma adolescente parva, altura em que decidi deixar a minha avó fazer o seu ritual de Natal sozinha e por isso não sei o porquê nem como o fazer, hoje tenho pena, não por acreditar mas porque isso me ia colocar mais perto da minha avó. O que faço desde que tive noção de que perdi esses conhecimentos é sair à rua depois da meia noite e olhar para a lua...não é a mesma coisa bem sei, mas da-me tranquilidade e faz-me sorrir!
Comentários
Postar um comentário