As praças de Jorna

 No tempo da miséria o meu avô esteve nas Praças de Jornas, segundo o meu pai era a coisa mais humilhante que poderia acontecer a um homem. Ir para ali de madrugada, com frio, chuva ou ao calor, ficar exposto horas a fio à espera de ser escolhido para trabalhar nesse dia. Os donos das terras ou os feitores chegavam horas depois. Com o seu ar emproado, olhavam como quem olha gado, andavam à volta, faziam uma ou outra pergunta, uma ou outra consideração e por vezes uma ou outra humilhação. E os homens ali estavam de chapéu na mão, olhos no chão,a maior parte sem poder responder. Diz o meu pai que havia quem não se contivesse e de vez enquanto lá levavam uma chibatada. Depois escolhiam os que queriam e os que sobravam, tinham passado horas a ser humilhados para voltar para casa de mãos vazias e sem ter como alimentar os filhos. No final da década de 30, num inverno que não deu trégua, aqui na zona muitos foram os que passaram meses sem ser escolhidos, homens a mais, trabalho a menos e claro os donos das terras baixaram o valor do trabalho a níveis tão baixos que ser ou não escolhido era quase igual. A fome, a miséria e a humilhação chegaram a um ponto tal que foi decidido ninguém aceitar trabalhar pelo valor pago, pela 1ª vez os homens do campo decidiram vir em rancho à cidade pedir esmola. E vierem. Nos meses que se seguiram, ninguém compareceu nas praças de jorna. A cidade encheu-se de homens mal vestidos descalços que pediam de porta em porta. Assustados os cidadãos da cidade pediram a intervenção do presidente da câmara que foi obrigado a chamar os donos das terras e entrar em acordo quando ao valor do trabalho. As coisas não ficaram boas, mas melhoraram e a cidade esvaziou-se dos homens do campo e deixou Évora de novo na sua paz podre. No meio desta luta, um dos proprietários da zona foi até à beira contratar os "ratinhos" para resolver o seu problema de falta de mão de obra, mas mal chegaram regressaram,parece que alguns dos trabalhadores locais lhes segredaram ao ouvido "ou regressam pelas vossas pernas ou regressam deitados, escolham"! E eles fizeram-se à estrada. O meu avô foi um dos que lhes contou o segredo e conhecendo o génio da peça teria concretizado a ameaça! Diz o meu pai que nunca mais os preços das praças de jorna baixaram como naquele ano, mas a humilhação continuou durante varias décadas, com outros contornos ainda hoje continua!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

alceu valença - 2025

Nao sei o que é desigualdade na 1ª pessoa...nunca soube! -2017

mas que fresca mondadeira -2023