Os "João Saramago"

 Hoje ao ver por aqui tanta gente a refilar pelo calor, lembrei-me de algumas historias que o meu pai me contou do tempo em que trabalhava no campo debaixo deste sol escaldante por esses campos fora. Como as memorias sao como as cerejas, lembrei-me das que me contou sobre o meu avô Aníbal, homem que não conheci senão através dele pois morreu muito novo. O meu avô, e os irmãos, tinham que ir para muito longe a maior parte do tempo para conseguir trabalho, nao porque fossem maus trabalhadores, nao, parece ate que eram excelentes. Sabiam fazer todos os tipos de trabalhos, desde os mais simples aos mais complicados, eram muito rijos, aguentavam muito peso e tinham uma resistência e agilidade como poucos, o que fazia com que trabalhassem mais rápido e melhor que a maioria, mas por aqui muitos dos feitores não lhes queriam dar trabalho e os lavradores a maior parte não se metia nas contratações. E não queriam porque a juntar a estas características tinham outras que atrapalhavam os feitores que na maior parte dos casos, nao pagavam o que estava estipulado pelos lavradores, mas metiam uma parte no seu bolso e só a outra era para pagar a quem trabalhava. Os Barrenhos, como eram conhecidos, eram homens que reivindicavam os descansos, que pelejavam as jornas, que não aceitavam ser humilhados pelos feitores, que os obrigavam a pagar o estipulado com o dono das terras, e que faziam com que os seus companheiros de infortúnio se opusessem a coisas que eles achavam injustas, ofensivas. Eram homens que não baixavam os olhos, que não se dobravam e que não tinham medo de perder o trabalho, mesmo tendo muitas bocas para alimentar em casa. Por isso eram vistos pelos feitores como homens que agitavam os ranchos, que lhe criavam problemas, gente que ontem como hoje nao era bem vista pelos que tinham poder ou poderzinho, e não lhes davam trabalho. Só os lavradores que geriam os seus próprios campos os contratavam, com esses os valores pagos não ficavam metade no bolso do feitor fazendo com que as condições fossem um pouco melhores, e nesses casos eles nao criavam agitação, nao havia necessidade, e os lavradores ganhavam com o seu trabalho em tempo e qualidade. Por isso a maior parte do tempo eles procuravam trabalho em empreitadas no baixo alentejo, no ribatejo ou mesmo na beira. Andavam dias sob o sol escaldante a trabalhar e depois do sol se por, andavam quilómetros para chegar a casa já noite cerrada, descansavam um pouco o corpo cansado e ainda de noite metiam-se ao caminho e iam para outra herdade longe pelo meio dos campos. Esta rotina começava por volta de Março e terminava depois de Setembro, às vezes arrastava-se ate Outubro, só deixando de ser feita no tempo das chuva, ai tinham que trabalhar mais perto, receber pior pois era muito mais complicado caminhar com lama e chuva durante horas, ou mesmo nao trabalhar por nao encontrarem por aqui. Isso sim parece-me a mim que é sofrimento, agora sair de casa, andar uns metros e entrar dentro do carro e ligar o ar condicionado, parece-me moleza para quem vive nesta terra quente e seca que é o Alentejo.

Ao pensar nos Barrenhos, lembrei-me de uma musica que o meu pai cantava de Paco Bandeira e que dizia ser o retrato da vida dos homens como o meu avô, entre isso e a vida que tivemos esta tarde, por mais quente que tivesse sido não existe comparação, hoje foi "mamão com açúcar" .

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