Os alunos da Universidade e o meu pai

 No final da década de 80 a Universidade de Évora começou a receber estudantes vindos de todo o país. Ainda sem estruturas de alojamento ou refeitórios em quantidade suficiente, era normal os estudantes viverem a cidade e os espaços públicos criando ligações e cumplicidades com os habitantes. O restaurante dos meus pais era por isso frequentado por muitos estudantes, almoçavam, jantavam, faziam festas, iam pedir ingredientes em falta ou mesmo pedir para a minha mae lavar a roupa pois não iam a casa. Durante esse tempo entre eles e os meus pais foram criados laços, cumplicidades, alguns duram ate hoje. Num dos grupos que vivia por lá encontrava-se um estudante de Coimbra, filho de um medico renomado. O pai enviava para o restaurante todos os meses um cheque para pagar a conta. No 3º ano de curso mais ou menos a meio do ano, ele deixou de aparecer para almoçar e jantar, a minha mae preocupou-se e perguntou a um colega. Ficou então a saber que a mae do jovem tinha saído de casa por violência domestica e o filho tinha ficado do lado dela, como o pai não queria dar o divorcio à progenitora, esta estava com dificuldades financeiras e era possível que ele tivesse que abandonar o curso. Claro que a D. Antónia lhe foi bater à porta, ele confirmou a historia e disse que não ia comer pois não tinha dinheiro. Nem pensar, era o que faltava, estava a crescer, a estudar, poderia lá ficar sem comer, ia voltar a ir almoçar e jantar e não se falava mais no assunto, quem a conhece sabe que não se lhe ganha uma briga e, um pouco envergonhado lá aceitou. Mas só isso não ia resolver, então o bom do meu pai resolveu "precisar de um ajudante" para todos os dias ir ao mercado buscar os produtos para o restaurante e contratou o bom do rapaz para esse serviço. Assim foi, todos os dias antes da universidade lá iam eles há praça e no final do mês o meu pai pagava-lhe a quantia necessária para pagar o quarto. Com a questão da comida resolvida e o quarto pago com o "trabalho arranjado" o bom do Fabiano terminou o curso 3 anos depois, não sem antes os meus pais organizarem uma comemoração para a família materna. Com o fim do curso e como a perseguição do pai ainda continuava, pegou na mãe e imigrou para a Austrália onde tinha um familiar. Ainda tentou corresponder-se com os meus pais, mas eles sao pouco dados a cartas e ao fim de alguns anos deixaram de se corresponder. Passados 30 anos voltou a Portugal para resolver as questões de herança por morte do pai, que nunca aceitou divorciar-se. Neste fim de semana veio a Évora, conseguiu descobrir onde os meus pais moravam e foi-lhes bater à porta para apresentar a mulher e as filhas. Uma comoção para os desgraçados dos senhores a quem o coração já pede para não sofrerem grandes embates. Por lá estiveram a contar historias que ele ia traduzindo e claro que a minha mãe lhe preparou o seu famoso ensopado de borrego, que nunca mais tinha comido. A felicidade dos meus pais foi enorme, não só por o verem mais uma vez como por o saberem bem na vida. A dele, parece que é de agradecimento pois sem eles teria desistido do curso e a vida teria seguido outro rumo...agora falta saber se o convite para eles irem à Austrália vai ser aceite...tenho dúvidas!

Quanto a mim, resta-me ficar contente por ver todos felizes, porque tudo está bem quando acaba bem!

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