Os condecorados que deveriam ser condenados

 Esta a fazer anos ,já se passou quase uma vida mas ainda me lembro como se fosse hoje o dia em que percebi que a minha mãe, a mulher de aço a quem nada nem ninguém conseguia vencer, derrubar ou machucar, se deixou cair numa depressão profunda. Naquele dia ao voltar para casa para almoçar ela estava desgovernada, gritava, partia coisas, andava violentamente pela casa como se estivesse presa. assustei-me, tentei para-la mas foi impossível e restou-me esperar que passa-se. Passaram horas quando ela tombou no sofá, a cabeça entre as mãos e os soluções sofridos já quase sumidos. Quando consegui ter coragem aproximei-me, precisava saber o que levava aquela mulher de garra, sempre compenetrada e correcta a estar naquele estado. Bem sabia que estávamos a passar tempos difíceis, o desemprego dela e do meu pai, fazia-nos estar a viver tempos difíceis, mas ela tinha-se mantido firme durante aquele ano, aquilo teria de ter outra explicação...e tinha.

O jornal foi-me estendido, percebi que ali estava a explicação, e ali estava a noticia, Mário Soares havia agraciado com a cruz do infante o seu antigo patrão por mérito, o grande empresário Alves Martins era homenageado pelo governo Português. O homem que tinha feito uma falência fraudulenta e deixado com meses de salário em atraso famílias inteiras, que tinha fechado as portas sem pagar indemnizações a quem para ele trabalhou mais de 40 anos como ela, que tinha mandado para o desemprego famílias inteiras, estava a ser condecorado, em vez de condenado. Era esse o motivo da sua raiva. E ela estava certa. Naquele dia, pela 1ª vez escutei a minha mãe dizer uma frase que de vez em quanto repete " foi para isto que fizemos o 25 de Abril?" . Naquele dia, vi a minha mãe desabar, não pelo desemprego, que esse já tinha 1 ano, não por termos a vida virada do avesso, não por eu ter de trabalhar quando sempre sonhou com a minha ida para a universidade, mas por lhe terem roubado o sonho de que o 25 de Abril faria deste um país justo e igualitário. A minha mãe recompôs-se, renasceu das cinzas, recomeçou e ate se saiu melhor do que sairia se tivesse ficado na fabrica onde sempre trabalhou, mas aquela magua nunca a deixou e sempre que se aproxima o 25 de Abril, fala nisso. A dor de ver quem destruiu tantas vidas condecorado pelo Portugal de Abril ainda vive dentro dela. Quanto a mim, descobri cedo que as condecorações não querem dizer nada, as acções essas é que importam!
O bom disto tudo é que mesmo assim ela continua a defender a revolução de Abril e esta quase a chegar a altura de ir comemorar a data.

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