infâncias perdidas

 Quando adolescente estudei a história dos Estados Unidos da America, descobri nessa altura que a grande maioria dos candidatos compravam historias de vidas duras, difíceis e sofredoras para os seus antepassados, isso acontecia porque dava votos. Lembro-me que na época pensei que era exactamente o oposto do caso português, por cá o importante era nunca se saber que os nossos antepassados foram pobres ou passaram necessidades, isso não dava credibilidade. Mas também me lembro de ter percebido a sorte que tinha de ser filha de um homem que não escondia a sua origem. Foi talvez por estas descobertas que passei a contar a historia do meu pai. Ora quem me conhece e o conhece, muitas vezes pode achar que as historias estão empoladas, que a sua miséria e a sua vida é por mim contada de forma romanceada, eu percebo se assim pensarem, se o conhecesse hoje e ele não fosse meu pai talvez também o pensa-se. É por isso que já tenho falado de uma fotografia dele e do irmão quando crianças a vários amigos, mas os dias vão passando e a fotografia está na casa dos meus pais e esqueço-me, e...mas hoje a minha prima mandou-ma e eu cumpro a promessa de a mostrar. Quero no entanto explicar-vos duas ou três coisas. o meu avó era um homem sem vícios, trabalhava de sol a sol, aceitava os trabalhos mais duros, muitas vezes bem longe de casa e mesmo tendo 6 filhos, menos que a maioria nessa altura, o que hoje parece não explicar a profunda pobreza em que viviam, o facto é que eram muito pobres. O que trazia realmente miséria à sua família, eram basicamente 4 coisas, 1º era um homem que só aceitava trabalhar pelo valor justo, se não era justo não aceitava, mesmo que isso o prejudica-se,2º era um homem anarquista, que não o escondia, por isso nem todos os patrões o contratavam e menos ainda ao mês, 3º não aceitava as esmolas da igreja ou das senhoras da caridade, e ninguém da casa podia aceitar, e por ultimo ninguém da família poderia "ir ao rabisco", (uma espécie de roubo de final de colheita dos produtos que ficavam nos campos , que não sendo autorizado muitos donos das terras fechavam os olhos, mas que noutros casos era de tal forma proibido que os agrários contratavam a GNR para patrulhar os campos e prender os desgraçados)

Estas 3 condições colocavam-nos muito abaixo do limiar da pobreza e obrigavam-nos a passar realmente muitas necessidades. A elas juntava-se o facto dele nunca aceitar nenhuma humilhação feita a qualquer um, metendo-se mesmo em brigas por esses motivos, o que naquele tempo era comum quer por alguns patrões quer por muitos feitores, logo havia muita gente que nunca lhes dava trabalho. é desta forma de ser "barrenho" herdado da Maria Barrenha sua avó, que eles falam e que faz com que a fome e as necessidades passadas sejam lembradas não com amargura mas com orgulho. E é com esse mesmo orgulho que eles tem nas suas casas, em tamanho grande, a fotografia que um qualquer fotografo de passagem pelo monte onde viviam, lhes tirou e que depois lhes quis deixar.
Esta é a foto do meu tio e do meu pai tirada em 1938, o meu pai é o menino mais pequeno e com cara de mau...ironia já que ele é um doce e o melhor pai do mundo, e que me deu uma vida de princesa que nunca conseguirei pagar-lhe!
E sabem que mais, eu e a minha filha temos um orgulho enorme naquele menino e nesta fotografia, e é por ela existir que lutamos todos os dias pela igualdade e pela justiça.
A 2ª e a 3ª é dos homens que se tornaram.

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