Historia de Natal
Hoje quero partilhar convosco uma historia de um dos meus natais, usando-a como um alerta para os pais que tem pouco tempo para os filhos e que por esse motivo os enchem de presentes nas épocas festivas. Não resulta, acreditem!
ainda hoje a sociedade é feroz com as mães de carreira, ainda hoje os problemas de consciência que lhe impingem são um fardo enorme, como se decidir ter uma carreira que deixa pouco tempo para a maternidade fosse um crime.agora imaginem o que seria há 54 anos, na época era crime de lesa pátria. Onde já se viu, deixar de ter tempo para cuidar da família? Onde já se viu deixar a filha ao cuidado do pai e ir em viagem de serviço? Onde já se viu sair de casa com ela a dormir e voltar já com ela deitada? Essa foi a vida que a minha mãe escolheu, que o meu pai apoiou e que eu vivi. apesar de ter sido uma escolha aceite pelo trio em questão, o facto é que social e familiarmente não foi bem visto, apesar de dizer que isso não a afetava, facto é que a minha mãe carregava esse fardo e ele, mesmo inconscientemente lhe trouxe problemas de consciência que, apesar de eu tentar minimizar ate hoje, ainda lhe fazem mossa.
Esses problemas de consciência faziam com que nos anos e especialmente no Natal a minha mãe me enchesse de prendas. Desde que me lembro ate eu ter 17 anos era uma casa cheia de todo o tipo de presentes. Os da moda, os que eu gostava, os que não gostava, os que precisava e os que não faziam falta nem ao menino Jesus. Eu recebia bonecas, umas que falavam, outras que andavam, outras que comiam, carros, camiões, aviões, bolas, jogos, calças. vestidos, eu sei la´ uma quantidade de coisas inimagináveis. Tudo para ela apaziguar a sua consciência pelo facto de ter pouco tempo para estar comigo e me dar atenção. aquilo era tao absurdo que me lembro de abrir as prendas e de quase nem olhar para elas, lembro-me de nos dias seguintes dar muitos dos brinquedos às minhas amigas do colégio que não recebiam prendas, lembro-me de ter brinquedos fechados e de nunca ter brincado com eles e claro lembro-me de ter por aquele monte de coisas um desprezo tal que em pouco tempo eles estavam destruídos. Ou porque os desmanchava para perceber o mecanismo, ou porque lhes cortava o cabelo, só sei que duravam pouco nas minhas mãos. Não era por mal, era só porque não lhes dava importância, eram tantos que não criava laços com eles. Mas houve um ano, teria ai uns 6 anos, que a minha mãe me trouxe de uma feira qualquer da industria onde tinha ido, um carrinho onde eu me metia dentro e era conduzido por um boneco, estilo táxi. aquele presente captou a minha atenção e durou uns bons meses. La andava eu e os meus amigos pelo largo montados no carrinho, ao qual o meu pai tinha trocado as rodas para não encravarem nas nossas calçadas. Por mais que gostasse do carrinho eu era só uma criança, e o que queria mesmo era a atenção da minha mãe. Ora a senhora, com o pouco tempo que lhe restava do emprego, ainda tinha que tratar da casa, da roupa, do tio, da sogra e dos 2 irmãos, tudo gente que vivia la´ em casa, por esse motivo cada vez que eu queria a sua atenção, sabendo que eu gostava do tal carrinho, dizia-me para ir brincar com ele. Um domingo, recebendo a visita da minha "mãe da casa" e porque eu estava feita chata a querer que ela me desse atenção mandou-me ir andar no carrinho. Lembro-me como se fosse hoje, posso mesmo escutar a frase da minha "mãe da casa" - ela ainda não deu cabo do carrinho? assim como ainda consigo escutar a resposta da minha mãe "felizmente, assim deixa-me fazer as coisas sossegada". Estou ainda a ver-me a olhar de uma para a outra e indo em direção ao meu carrinho, peguei nele, atirei-o ao chão, uma, duas, nem sei quantas vezes, sob o olhar atónito das minhas "duas mães" e quando estava todo em frangalhos, olhei para a minha mãe e disse "pronto acabou o teu sossego, agora tens que brincar comigo". a minha mãe, mulher que tinha sempre a mão leve para me dar umas bofetadas em alturas em que me saltava a "veia nobre", como dizemos em família, ficou sem acçao e lembro-me de a ver cair no sofá e ficar a olhar para os destroços do tal carrinho. a minha "mãe da casa" mulher que tinha sempre uma conversa para me fazer pensar nas acções praticadas, ficou sem palavras e eu que estava ainda sob o efeito do mau génio, fui brincar com outra coisa qualquer como se nada se tivesse passado.
Quando cresci e analisei aquele episodio, percebi porque o fiz, percebi a minha mãe, pedi-lhe desculpa pela forma, mas explicando-lhe que o que eu queria naquele tempo era a minha mãe, os muitos presentes diziam-me pouco, e ate o que eu mais gostava perdia para o que eu queria mesmo, a atenção e tempo com a minha mãe. Eu percebo que seja dificil quando se quer ter uma carreira, mas acreditem os presentes não substituem a atenção, pode ate ser pouca mas tem que ser alguma.
No caso da minha filha foi sempre ao contrario, pois sempre tive mais tempo que dinheiro, logo o problema por si só esteve sempre resolvido!
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