A Évora da minha adolescência era uma cidade ainda mais conservadora do que é hoje. Não eram muitas as meninas da minha idade que frequentavam os bares ou os cafés. Ao cinema iam acompanhadas das mães. Frequentavam as pastelarias ou salões de chã e nunca frequentavam o Café Portugal ( isso era só para adolescentes malucas ou drogadas). A noite era-lhes vedada a não ser a ida ao baile acompanhadas devidamente. As amizades com os rapazes só na escola ou numa ou outra festa de domingo há tarde. Por isso durante o dia desforravam-se e faziam coisas que jamais passariam pelas cabeças dos seus progenitores. A feira de S. João era por isso um espaço onde se esbaldavam. Passavam as tardes nas pistas e nos carroceis, provavam bebidas alcoólicas e flertavam com os rapazes da feira. Eles davam-lhes senhas e fichas e elas davam-lhes conversa. Para quem estava preso o ano inteiro aqueles momentos de liberdade eram o paraíso. Pouco habituadas a estas relações entre géneros era comum caírem direitinho nas cantadas baratas dos jovens das pistas, habituados a este tipo de engate fácil. Era por isso comum no final da feira o desaparecimento de duas ou três. Os pais aflitos asseguravam que elas tinham sido levadas pelos feirantes, nós porem sabíamos que elas tinham ido de livre vontade. um ou dois meses depois lá voltavam há cidade, afirmando a pés juntos que tinham sido levadas à força. Depois as rédeas apertavam ainda mais, algumas deixavam mesmo de frequentar a escola e meses depois nascia-lhes um novo irmão. Numa cidade tão pequena e onde tudo o que era segredo se sabia, todos fingiam acreditar. Foi num destes "desaparecimentos" da filha de uma colega da minha mãe que me servia de comparação de cada vez que eu fazia algo fora dos padrões ( o que era comum) e porque aquilo me chateava, que pela primeira vez soltei a frase que ainda hoje digo muitas vezes " E a maluca sou eu?".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

alceu valença - 2025

Nao sei o que é desigualdade na 1ª pessoa...nunca soube! -2017

mas que fresca mondadeira -2023