O meu pai nasceu numa família numerosa, naquela altura as famílias numerosas em vez de apoio tinham fome! Quando fez 5 anos teve o seu primeiro emprego, guardar perus a 5 km de casa. Descalço, com uns calções e uma blusa, que segundo ele por ser tão fria parecia seda, ali esteve durante um ano. Durante esses 365 dias era visitado pelo irmão mais velho uma vez por semana para lhe levar a comida. Comida que ele, devido à fome, devorava toda nesse mesmo dia, depois comia ervas, bagas e coelhos quando os conseguia agarrar. Dormia numa cabana de pastor sozinho e as histórias de ninar eram o barulho do campo, barulho que o mantinha acordado durante muitas horas devido ao medo!
De madrugada lá deixava o seu cobertor com um buraco no meio e tentava com grande dificuldade acender a lareira, onde aquecia a agua suja de café para o pequeno-almoço (?) e se aquecia antes de libertar os perus e ter de andar todo o dia atrás deles! Depois desse emprego, pelo qual recebeu um garrafão de azeite e uma saca de azeitonas, que entregou à mãe, claro, teve muitos outros no campo, ate ter sido chamado para uma oficina de bicicletas. Este convite foi feito ao meu avô pelo dono da oficina, pois segundo ele o moço era muito inteligente. O meu avô disse logo que não, não tinha dinheiro para pagar a aprendizagem do ofício. Mas o homem gostava mesmo do meu pai e não quis dinheiro. Muito a custo e com a promessa do meu pai de que iria trabalhar no campo aos fins-de-semana, para ajudar nas despesas da casa, lá concordou.
Esta decisão mudou a sua vida que parecia estar traçada. Daquela oficina foi para outra e outra e sempre convidado pela sua capacidade e inteligência na área da serralharia. Chegou mesmo a ser o único em Évora a poder arranjar as alfaias agrícolas dos grandes proprietários. Com a instalação das fábricas em Évora foi convidado para todas chegando mesmo a impor o seu salário. Escolheu o Fomento, onde trabalhava a minha mãe. Ai idealizou e construiu diversas máquinas, foi ate convidado para ir para a Alemanha criar maquinaria para a indústria alimentar. Não quis, nunca quis sair do seu país! Mas apesar de tudo no outro dia disse-me que passou muitas horas a trabalhar e a chorar de raiva por não conseguir construir as coisas como as pensava, pois não tinha os conhecimentos dos colegas que tinham andado na Escola e tinham aprendido a teoria das coisas!
Depois de me dizer isto os olhos encheram-se de lágrimas, como se estivesse de novo a sofrer essas mágoas! Olhando para o infinito, saiu-se com esta " Se tivesse nascido num país onde os filhos dos pobres também estudassem, quem sabe o que teria sido!"
O meu pai, o homem que mais admiro, que é o meu guia moral, tem razão, se tivesse nascido noutro País teria sofrido muito menos! Passado menos fome, menos medos, menos humilhações, mas apesar de tudo fez-se grande à força e manteve a integridade e a honestidade! O meu pai é só um dos muitos a quem estas desgraças aconteceram e está vivo para ver isto de novo acontecer em Portugal, o que o entristece imenso! E isso é também uma das razoes pelas quais eu detesto os nossos governantes!

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