Na Plataforma

Uma das minhas primeiras memórias é auditiva. Lembro-me de estar sentada na minha cama e escutar ao longe o comboio. Aquele som cativou-me de forma tal, que fiz com que o Mimim passasse a levar-me todos os dias a estação. No fundo da avenida, diante dos meus pequenos olhos ali estava, aquele comboio prateado, enorme, sempre muito reluzente. Dele saiam e entravam pessoas de todos os géneros e feitios, uns apresados, outros de forma lenta. uns carregavam enormes malas, outros apenas sacos as costas. Todos os dias aquelas pessoas iam e vinham de lugares que me eram desconhecidos. Todos os dias eu queria ver o comboio que os levava e trazia. Ali ficava de pé, sem fazer nada mais que olhar o comboio. Depois suava o apito, a correria aumentava, gente que ainda queria sair encontrava-se com gente que queria entrar, o funcionário com a sua bandeira, percorria toda a maquina, de porta em porta fechando-as.novo apito e num movimento lento ele começava a deslizar nos carris, a velocidade ia aumentando, ele desaparecendo, a estação esvaziando e eu perdendo de vista o comboio...quando o ponto reluzente tivesse deixado de se ver, pegava de novo na mão do Mimim e fazíamos o percurso de volta ate casa. Muitas vezes ao longo da nossa amizade, ele quis saber se eu queria ir no comboio, nunca lhe soube responder, era muito pequena....não me lembro de querer abalar, não me lembra de querer sair da cidade, não me lembro, sei que gostava de ver aquelas partidas e chegadas. Talvez por isso goste tanto da música de Milton que diz " que o trem da partida, é o mesmo da chegada" Porquê isso hoje? Porque sinto que estamos todos neste momento numa plataforma ver o comboio, sem chegar e nem partir...Só aqui, a olhar para ele! 
https://www.youtube.com/watch?v=FiLYn6Xkn8U

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