a menina josefina
As lutas, sejam das mulheres ou do que quer que sejam, fazem-se de muitas maneiras. Umas mais silenciosas outras de megafone na mão. Escolha-se a forma que se escolher o importante é lutar...e ser feliz.
Em dia de comemoração do Dia Internacional da Mulher, vou partilhar convosco a historia da menina Josefina.
A menina Josefina, era uma amiga da minha mãe, foi ela que a ensinou a imprimir, gravar, estampar e desenhar quando ela entrou na fabrica aos 14 anos. Era uma senhora muito mais velha que a minha mâe, mas de idade indefinida. Pequenina, magrinha, sempre com umas saias direitas, pretas ou azuis, por baixo dos joelhos. Umas camisas abotoadas até acima, com laços ou folhos de cores neutras. Uns sapatos sempre muito brilhantes e com um pequeno salto e um troço no cabelo que nunca estava desalinhado. Amiga da minha mãe deste sempre, e embora trabalhassem na mesma fabrica íamos muitas vezes ao domingo tomar chã na sua casa, numa das travessas que ligam a rua dos mercadores à da moeda. A menina Josefina tinha sido casada, casou por procuração com um parente que vivia em Angola. Depois do casamento, meteu-se no navio e rumou a África para ai constituir família. Regressou um ano depois sozinha, o marido vivia no meio do mato, numa palhota, sem condições e não queria ir viver para a cidade, apesar de ter dinheiro para isso, ela não queria viver assim e um belo dia fugiu, meteu-se num barco de regresso a casa. Mulher que abandonou o lar foi proscrita pela família, não se importou arranjou emprego e casa e nunca mais fez referencia ao tal marido. Não era só a amizade com a minha mãe que nos ligava, era também a data do aniversário, a menina Josefina fazia anos no mesmo dia que eu e era presença anual na minha festa, apagávamos as minhas velas e depois apagávamos a vela da menina Josefina, que nunca tinha referencia à idade. Teria eu ai uns 9 ou 10 anos (andava no ciclo) reformou-se. E na mesma altura deixamos de a visitar na sua casa e passamos a visita-la na casa de uma amiga que ficava por cima da Farmácia Rebocho. Uma senhora mais ou menos da sua idade, também com o mesmo estilo e que passava a tarde a fumar a sua boquinha, apesar dos resmungos da nossa amiga. Pouco tempo depois desta sua mudança criou-se no Fomento um burburinho sobre a sua vida e a sua mudança. Colocada a par das "tricas e mexericas" a minha mãe reuniu no grande salão da fabrica as mulheres e proibiu-as de voltar a falar da vida da sua amiga, nada tinham a ver com isso, ela sempre tinha sido amiga de todas, a todas tinha ajudado e não queria escutar nem mais uma palavra sobre o assunto, caso contrario ficavam todas de castigo. Remédio santo, nunca mais se falou na Menina Josefina naquela fabrica. Eu, criança curiosa, quis saber de que se tratava e a minha mãe explicou-me que a menina Josefina, já estava velhinha, que já não queria viver sozinha e tinha ido viver com aquela amiga. Não percebi onde estava o mal e foi então que ela me explicou que havia senhoras que viviam com senhores, como os meus pais, e senhoras que viviam com senhoras e senhores que viviam com senhores e que ninguém tinha nada com isso, desde que não fizessem mal a ninguém e a Menina Josefina e a Menina Palmira eram boas pessoas e não faziam mal nenhum. Esta foi a 1ª vez que ouvi falar neste tema, de forma normal sem barulho à mistura. Com o crescimento, percebi que a Menina Josefina, senhora muito bem vista na cidade, tinha travado a sua luta sem bandeiras empunhadas mas sem deixar de fazer a vida como bem quis, primeiro deixando em Angola o marido, depois indo viver com a sua companheira. Hoje ao almoço a minha mãe e as amigas que restam dessa altura (poucas que a idade já é muita) falavam delas com respeito, carinho e uma profunda amizade. A menina Josefina e a Menina Palmira estiveram hoje no almoço da minha mãe e até as estou a ver, uma com o seu sorriso tímido como sempre teve e a outra com a sua boquilha comprida e estavam felizes...E isso foi bonito de ver.
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